InícioBispo DiocesanoA Voz do PastorO Evangelho da esperança para os pobres e sofredores

O Evangelho da esperança para os pobres e sofredores

O Evangelho deste domingo apresenta Jesus descendo da montanha com seus discípulos e parando em um lugar plano. Ele estava cercado por uma multidão. Diferente de Mateus, que apresenta o sermão da montanha, Lucas apresenta o sermão da planície. A multidão vinha de diversas regiões, inclusive de lugares além das fronteiras de Israel, o que demostra o universalismo da salvação oferecida por Jesus: Ele veio para todos e todas, não há limite para a sua misericórdia. São pessoas que buscam ouvir a palavra de Jesus e a cura para as suas enfermidades (cf. Lc 6,18-19). Procuravam tocá-lo, pois dele saía uma força que curava. Esse cenário prepara o discurso solene de Jesus sobre as bem-aventuranças.

Após a rejeição em Nazaré (cf. Lc 4,29), o Evangelho nos mostra Jesus atraindo multidões. Mas quem são essas pessoas? São homens e mulheres marcados pela dor e pelo sofrimento, considerados pecadores pela religião de então, vistos como castigados por Deus devido a um pecado pessoal ou de um antepassado, tidos como infelizes. No entanto, sabem que não serão rejeitados por Jesus e que poderão tocá-lo sem o risco de torná-lo impuro. Ele veio para os que sofrem. Seu primeiro olhar “não se dirige aos pecadores que precisam ser chamados a converter-se, mas aos que sofrem a enfermidade ou o desamparo e anseiam por mais vida e saúde” (Pagola, Jesus – aproximação histórica, p. 192). Para Jesus, eles não são infelizes, mas bem-aventurados!

As bem-aventuranças pertencem a um gênero literário usado pelos profetas e sábios, que anuncia alegria para o momento presente ou projeta felicidade para o futuro. No Evangelho de Lucas os destinatários desse anúncio são os pobres. Em Jesus, a esperança deles se concretiza. Deus intervém em favor dos fragilizados. A felicidade deles não consiste na pobreza que são forçados a viver, mas em contar com a proteção divina. Deus garante o seu Reino aos pobres, que devem acolhê-lo com gratidão.

Para o papa Francisco, a palavra bem-aventurado, ou feliz, torna-se sinônimo de santo, porque expressa a verdadeira felicidade da pessoa fiel a Deus, que, movida por sua palavra, doa-se por amor. Ele diz que as bem-aventuranças são um caminho para alcançar a felicidade hoje e na eternidade (cf. Gaudete et Exultate n. 126), são o bilhete de identidade do cristão e um roteiro para viver a santidade (cf. GE n. 63) Segundo o papa, a felicidade pertence aos pobres, é uma marca deles, que mesmo desprovidos de riquezas materiais, têm a confiança em Deus e têm uma vida alegre. Ele diz que as alegrias mais belas e mais espontâneas que viu ao longo da sua vida são as alegrias das pessoas muito pobres, que têm pouco a que se agarrar (cf. Evangelii Gaudium n. 7).

Para muitas pessoas é incompreensível que alguém possa ser feliz sem ter os bens materiais. Claro que a miséria não é da vontade divina, pois contradiz a dignidade da vida concedida pelo Criador. Os pobres são felizes porque contam com a presença de Deus, que não permitirá que os seus sofrimentos perdurem para sempre e lhes fará justiça.
O papa Francisco também alerta quanto à realidade que muitas pessoas experimentam: de uma tristeza individualista, de uma vida fechada nos próprios interesses, onde não há espaço para os outros, onde os pobres são descartados, onde não se escuta a voz de Deus. Risco presente também na vida de muitos crentes (cf. Evangelii Gaudium, n. 2).

Diferente de Mateus, que apresenta oito bem-aventuranças, Lucas destaca somente quatro e acrescenta as advertências aos ricos, contrapondo quatro ais às bem-aventuranças. Felizes são os pobres, os que têm fome, os que choram e os que são perseguidos por causa do Filho do Homem. E ai dos ricos, dos saciados, dos que riem e dos que são bajulados (vv. 24-26). O Evangelho não é uma boa notícia para todos. Para os ricos de coração endurecido, é uma reprimenda. Os ais dirigidos contra esses são uma repreensão e convite à conversão, não um desejo de ruína. Mas eles devem mudar de comportamento.

Parece estranho dizer que é feliz quem chora. O papa Francisco diz que chorar é dom divino, denominado dom das lágrimas, que lavam os olhos para melhor enxergar certas realidades da vida. É feliz quem tem a capacidade de comover-se às lágrimas com o sofrimento de alguém, que não fica indiferente diante da dor do seu irmão. Francisco constata que “o mundo nos propõe o contrário: o entretenimento, o prazer, a distração, o divertimento. E nos diz que isso é que torna boa a vida. O mundano ignora, olha para o lado, quando há problemas de doença ou aflição na família ou ao seu redor. O mundo não quer chorar: prefere ignorar as situações dolorosas, cobri-las, escondê-las” (GE n. 75).

No Documento deste Ano Jubilar, com o tema “Peregrinos de Esperança”, o papa Francisco invoca a esperança para os milhares de milhões de pobres que não têm o necessário para viver. Convida-nos a não nos resignarmos diante da pobreza e a não desviarmos o olhar dessa situação dramática. Para Francisco, “é escandaloso que, num mundo dotado de enormes recursos destinados em grande parte para armas, os pobres sejam a maioria”. Nos debates políticos e econômicos os pobres são um apêndice, ou até mesmo considerados meros danos colaterais. Francisco lembra-nos que eles são, quase sempre, vítimas, não os culpados.

O primeiro bem-aventurado é Jesus. Ele viveu plenamente o que propõe como roteiro de santidade: foi pobre, teve fome e sede, chorou, foi perseguido e sofreu uma injusta condenação à morte. Ele viveu fortes momentos de festa e alegria, mas não ficou indiferente diante do sofrimento das pessoas, nem da dureza de coração dos seus compatriotas: chorou a morte do seu amigo Lázaro (cf. Jo 11,31-34); chorou ao se aproximar de Jerusalém, sentindo-se rejeitado e profetizando a sua destruição (cf. Lc 19,41); e, conforme a Carta aos Hebreus, “apresentou pedidos e súplicas, com veemente clamor e lágrimas, àquele que o podia salvar da morte” (Hb 5,7).

Estejamos entre os bem-aventurados. Não almejemos a riqueza que afasta o coração dos valores do Reino de Deus e torna-o insensível ao irmão. Que as advertências de Jesus no Evangelho de hoje nos sirvam de alerta.

+ Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano de Goiás

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