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Nunca devemos perder a esperança

Neste terceiro domingo da Quaresma, o Evangelho nos apresenta um texto exclusivo de Lucas, inserido na grande viagem que Jesus realiza até Jerusalém, onde se consumará sua missão: sua paixão, morte e ressurreição. São Lucas menciona dois tristes episódios: o assassinato dos galileus por Pilatos no templo de Jerusalém, provavelmente em vista da oposição ao desejo de Pilatos de construir um aqueduto com recursos do tesouro do templo (cf. Bortolini, Roteiros Homiléticos, p. 534); e a tragédia, acrescentada por Jesus, das dezoito mortes com a queda da torre de Siloé (v. 4). Esse episódio é desconhecido das fontes profanas, mas poderia referir-se à queda de uma torre do muro de defesa a sudeste de Jerusalém (cf. Fabris e Maggioni, Os Evangelhos II, nota 22, p. 147).

Na época, as tragédias eram vistas como castigo divino pelos pecados cometidos, conforme a doutrina da retribuição em vigor. As vítimas eram vistas como castigadas por Deus. Jesus, porém, rejeita essa visão dizendo que aquelas vítimas não eram mais pecadoras do que outras pessoas. Para Ele, todos nós precisamos de conversão. As tragédias não são fruto da ira divina, mas da maldade ou erros humanos. Não devemos culpar a Deus pelos nossos erros. Deus não quer a morte do pecador, mas a sua conversão. Como diz o Salmo deste domingo, Deus é “paciente, bondoso e compassivo” (cf. Sl 102(103),8). O assassinato dos galileus é fruto da desonestidade e da truculência de Pilatos; a queda da torre, provavelmente fruto de erros técnicos.

Para ilustrar sua mensagem, Jesus conta a parábola da figueira estéril, mas com tom de paciência, ao contrário da narrativa severa de Mateus, que condena a figueira a nunca mais produzir frutos (cf. Mt 21,18-19). Jesus afirma que certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha e que há três anos ia colher os frutos e não os encontrava. Por isso, pediu que o vinhateiro a cortasse, pois ela estava ocupando espaço sem produzir. Mas o vinhateiro solicita mais tempo, ter paciência, e se compromete a dar mais atenção à figueira: vai cavar em sua volta e colocar adubo, pode ser que ela produza. Se não, então poderá ser cortada (vv. 8-9). A figueira era uma das árvores mais generosas da Palestina: produzia durante dez meses ininterruptos. Também não precisava ser adubada. Ela representa o povo de Israel, ao qual Jesus pertence. O agricultor é Deus e o vinhateiro é Jesus; os três anos referem-se ao período do exercício do ministério público de Jesus, que deveria suscitar frutos de conversão no seu povo.

A parábola revela a paciência de Jesus Cristo, que sabe esperar até o último momento a pessoa lenta em produzir frutos. O carinho, o zelo e a paciência do vinhateiro devem ser estímulo para nós, impacientes com os que erram e, sobretudo, para os “justiceiros”, que desejam exterminar as pessoas que pré-julgam ruins. Todos nós somos pecadores e precisamos da misericórdia de Deus. O papa Francisco diz que “quem está habituado a julgar os outros a partir de cima, julgando-se perfeito, quem normalmente se considera justo, bom e correto não sente a necessidade de ser abraçado e perdoado” (O Nome de Deus é Misericórdia, p. 17). Deus nunca se cansa de perdoar. Para o papa, a fragilidade dos tempos atuais manifesta-se na perda da possibilidade de redenção, “de alguém que nos dá a mão que nos levanta, um abraço que nos salva, perdoa, anima, que nos inunda de um amor infinito, paciente, indulgente; que nos coloca de novo nos trilhos” (Idem, p. 46).

No entanto, muitas pessoas, ao contrário da figueira, não dispõem das condições necessárias para desenvolver suas potencialidades, para florescer e produzir frutos. Há tanta gente maltratada, mal-amada, sofrida, que só recebe pancada. Falta o adubo do amor em muitos ambientes, falta a comida, falta até mesmo a esperança! E mesmo quanto àquelas que dispõem dos meios para produzir e não o fazem, também não devemos perder a esperança.

Nossa cultura valoriza o imediato, o rápido e eficaz. Irrita-nos ter de perder tempo no trânsito, nas filas, na demora para resolver um problema. Para o teólogo português José Tolentino, o tempo do relógio não é humano, é regulado por uma máquina. Ele não tem sentimentos. Conforme Tolentino, “o exercício da paciência começa pela aceitação esperançosa da vida. Ela nos coloca face a face com a vulnerabilidade, aquela própria e a dos outros. Provavelmente ainda nos sentimos distantes das metas, não gostamos de tudo o que encontramos em nós e à nossa volta, percebemos que há um trabalho de transformação que deve prosseguir ou deve mesmo ser intensificado. Não se deve confundir paciência com indecisão, passividade, escassa coragem. Pelo contrário: é a audácia de não se deixar instrumentalizar pela precipitação ou bloquear pelo temor, investindo ativamente o nosso tempo na gestão das expressões complexas e inesperadas da vida, mas fazendo-o com sabedoria, serenidade e atitude construtiva” (A Mística do Instante, p 105). Ele cita ainda São Tomás de Aquino, para quem “a paciência é a capacidade de não desesperar” (Idem, p. 105).

Em sintonia com o tema da Campanha da Fraternidade 2025, “Fraternidade e Ecologia Integral”, e lema “Deus viu que tudo era muito bom” (cf. Gn 1,31), a figueira simboliza a obra da criação confiada por Deus às nossas mãos. A ecologia integral lembra-nos de que tudo está interligado e que somos interdependentes, desafiando-nos a produzir frutos de justiça, amor e respeito à vida. Neste tempo da Quaresma, somos chamados à conversão ecológica, a cuidar com mais zelo da obra da criação divina e de nossas relações humanas. Assim como o vinhateiro, que cuida da figueira cavando e adubando, também devemos cuidar da nossa “casa comum”. Possamos, neste tempo de conversão, transformar nossa esterilidade em frutos de amor e justiça, respondendo ao chamado da Campanha da Fraternidade e construindo um mundo mais fraterno e sustentável.

+ Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano de Goiás

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