InícioBispo DiocesanoA Voz do PastorJesus entra na nossa história em uma família humana

Jesus entra na nossa história em uma família humana

A alegria do nascimento de Jesus se estende durante oito dias. Ainda estamos celebrando esse fato único na história da humanidade: Deus que se faz humano em uma frágil criança, assumindo plenamente a condição do seu povo, especialmente dos mais empobrecidos. Encarnando no seio de Maria, Jesus é obediente aos seus pais (cf. Lc 2,51). O Natal de Jesus é como um dia que se prolonga por oito dias, culminando na Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, celebrada no dia 1º de janeiro. O tempo litúrgico do Natal, em que celebramos a troca de dons entre o céu e a terra, pedindo que possamos participar da divindade daquele que uniu ao Pai a nossa humanidade, se estende até a festa do Batismo de Jesus, dia 12 de janeiro (cf. Diretório Litúrgico 2024, p. 195).

Dentro da oitava do Natal, celebramos a Festa da Sagrada Família: Jesus, Maria e José. O Filho de Deus entra na nossa história no seio de uma família humana, assumindo totalmente a realidade da sua gente. Não vem como um ET, um ser de outra galáxia, mas como irmão próximo e amigo querido. Ele assume a sua caminhada como membro de um povo, satisfazendo as exigências da lei judaica.

Como piedosos judeus, seus pais peregrinam com o povo até o templo de Jerusalém para a celebração anual da Páscoa judaica, conforme prescrito na Torá (cf. Dt 16,16-17). Jesus caminha com o seu povo para a casa do Pai e faz-se caminho para a humanidade, trazendo os valores do Reino e favorecendo o encontro com Deus.

O texto de Lucas proclamado na liturgia desta festa, conhecido por alguns e meditado no 5º mistério gozoso do terço como “perda e encontro do Menino Jesus no Templo”, tem um título equivocado. Jesus não “se perdeu”, mas “se encontrou”. Perdidos estavam os seus pais, que não compreendiam suas palavras (cf. Lc 2,50 e Bortolini, Roteiros homiléticos, p. 515). Maria, sua mãe, mesmo sem entender plenamente, conservava essas coisas em seu coração. Aos poucos, ela foi assimilando o projeto de Deus, aceitando-o com confiança e sem resistências.

Jesus profere suas primeiras palavras neste Evangelho: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai? ” (Lc 2,49). Com isso, Ele revela que a sua missão nasce de sua relação filial com o Pai, passando pelo mistério da encarnação, onde aprenderá a viver como ser humano. O evangelista Lucas prepara cuidadosamente a transição da infância de Jesus para sua missão pública, situando essa passagem durante a festa da Páscoa, no templo, entre as autoridades religiosas da sua época. Esse relato conclui “o pequeno evangelho da infância de Jesus” e introduz a leitura “do grande evangelho da vida pública de Jesus”. Nessa transição, estão os mestres da lei que são interrogados e ficam deslumbrados com a inteligência do menino. No entanto, mais tarde, esses mesmos mestres se tornarão adversários de Jesus e estarão entre os responsáveis por sua morte. Somente Jesus é o verdadeiro Mestre, pois seu ensinamento é coerente, libertador e tem como objetivo a promoção da dignidade dos pobres e marginalizados.

Ao ser encontrado por seus pais no templo, que afirmaram estarem angustiados com o seu sumiço, Jesus lhes afirma: “Não sabeis que eu devo estar na casa de meu Pai? “ (v. 49). Estar na casa do Pai não significa isolar-se do mundo, fechar-se numa relação intimista com Deus. Durante sua vida pública, Jesus nos mostra isso claramente: Ele encontra-se com o Pai tanto no meio do povo quanto nos momentos de silêncio e retiro para oração. O templo, no entanto, torna-se, mais tarde, lugar de embates e hostilidade na vida de Jesus. Ademais, Deus não pode ser aprisionado em templos. Para o profeta Isaías, todo o universo é a casa de Deus, tudo lhe pertence e foi criado por suas mãos (cf. Is 66,1-2). A verdadeira casa de Deus é o mundo impregnado pelos valores do seu Reino. O próprio Deus recusou a oferta de Davi para edificar uma casa para Ele, prometendo, ao contrário, construir uma casa para Davi (cf. 2Sm 7,1-11). Jesus é o cumprimento dessa promessa. Nele, o Reino de Deus irrompe com força. Estar na casa do Pai significa, portanto, viver em sintonia com o projeto divino, trabalhando para construir um mundo marcado pela justiça, pela paz e pelo amor.

Lucas imprime tons pascais aos fatos narrados: a busca por Jesus durante três dias remete ao tempo de seu sepultamento até a ressurreição (v. 46); a resposta de Jesus, dizendo estar na casa do Pai, antecipa sua condição de ressuscitado e glorificado. O texto encontra pleno sentido quando lido à luz do mistério Pascal.

Na festa da Sagrada Família louvamos e agradecemos a Deus pela nossa família, com seus valores e limites. Como afirmou Bento XVI na abertura da Conferência de Aparecida, a família é “patrimônio da humanidade, constitui um dos tesouros mais importantes dos povos latino-americanos. Ela foi e é escola de fé, palestra de valores humanos e cívicos, lar em que a vida humana nasce e é acolhida generosa e responsavelmente”.

O papa Francisco nos recorda que o antídoto contra a atual cultura do descarte é o modelo da família, onde ninguém é excluído, todos se ajudam, se apoiam e são solidários. Em mensagem dirigida às famílias na sua viagem apostólica a Cuba, ele afirmou: “A família é a escola da humanidade, escola que ensina a pôr o coração aberto às necessidades dos outros, a estar atento à vida dos demais. Quando se vive bem em família, os egoísmos diminuem”.

Ao celebrar a alegria do nascimento de Jesus, não podemos ignorar a dor de tantas famílias em nosso país. Embora a pandemia tenha terminado, suas sequelas ainda são profundas: famílias que continuam a sofrer com a perda de entes queridos, os impactos persistentes da crise econômica e a enorme desigualdade social que fere a dignidade de tantos.

Manifestamos nossa solidariedade aos que enfrentam essas realidades dolorosas, especialmente aos que sofrem com o desemprego e desatenção das autoridades públicas. Exortamos a todos a não perderem a esperança, pois Jesus é o Emanuel, o Deus conosco, que caminha com seu povo e o fortalece em suas jornadas. Estamos unidos na oração e no compromisso em defesa de uma vida digna para todos e todas.

 

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