Reflexão do Evangelho do VI domingo da Páscoa (Jo 14,23-29)
(Dom Jeová Elias –bispo de Goiás)
O Evangelho deste VI domingo da Páscoa situa-nos no contexto da última ceia, quando Jesus se despede dos seus apóstolos. É como um testamento espiritual, com palavras marcantes para vida dos apóstolos de ontem e de hoje. Jesus prepara o grupo para continuar a missão, centrada no amor. Os apóstolos estão assustados com a possibilidade da morte iminente de Jesus. Mas Ele lhes assegura que não os abandonará, que virá e permanecerá neles (v. 28). Se alguém o ama, guardará a sua palavra, será amado pelo Pai e se tornará morada do Pai e do Filho (v. 23). Amar a Jesus é guardar a sua palavra, deixando-se transformar por ela. Fazendo assim, permite que Ele more no coração, juntamente com o Pai e inspire as ações em favor da construção do Reino de Deus.
No Antigo Testamento, durante a caminhada rumo à terra prometida, Deus caminhava à frente do povo, era peregrino, habitava em tenda. Agora, Ele habita no coração de cada pessoa que se abre à sua vontade. Como afirma São Paulo aos Coríntios, somos templos de Deus e o Espírito habita em nós (cf. 1Cor 3,16). Porém, essa habitação divina tem uma dimensão comunitária. Deus não é prisioneiro da pessoa, mas hóspede que a anima à missão, a amar com Jesus.
O texto de João ressalta três vezes a centralidade da palavra de Jesus. Os apóstolos são exortados a escutá-la e guardá-la. A palavra pronunciada por Jesus pertence ao Pai, é o próprio verbo divino, o Filho de Deus, conforme afirma João no prólogo do seu Evangelho (cf. Jo 1,1). Para manter vivo seu ensinamento, Jesus promete enviar o Espírito Santo, que ensinará e sua mensagem (v. 26). A palavra recordar, que deriva do latim “re-cordis”, significa trazer de volta ao coração. O Espírito, chamado por João de Defensor, fará a palavra aquecer novamente o coração dos seguidores de Jesus e iluminará o que não fora compreendido quando ensinado pelo Senhor. As duas ações do Espírito, ensinar e recordar, destacadas pelo Evangelho, formam uma unidade, não serão novo ensinamento de Jesus, nem repetição do que Ele falou, mas a compreensão e atualização da sua mensagem e dos seus gestos. À luz do Espírito, as coisas ficarão claras, o que parecia enigmático agora é compreendido. Como afirma o teólogo José Tolentino, o Espírito é o dinamismo do ressuscitado em nós. É a continuação desta história, não uma repetição, derramando em nós dons diversos para construirmos o Reino de Deus (Elogio da Sede, p. 77).
Aos apóstolos angustiados com a possibilidade da morte de Jesus, Ele lhes concede a paz, dom incomparável: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo” (v. 27). Não é a paz superficial, que silencia conflitos com falsas harmonias ou opressão. É a paz que surge da vitória de Jesus sobre o pecado e a morte, concedida nas aparições do ressuscitado (cf. Jo 20,19). As últimas palavras pronunciadas por Jesus antes da paixão (cf. Jo 14,27) e as primeiras depois da ressurreição (cf. Jo 20,19.21.26) são de paz. Essa paz é inquieta e perturbadora, pois exige conversão do coração, reconciliação com Deus e com os irmãos.
Jesus sempre se preocupou com a paz. Ao enviar os setenta e dois discípulos em missão, ordenou que fossem portadores da paz: “Em qualquer casa que entrardes, dizei primeiramente: ‘paz a esta casa’ ” (Lc 10,5). Quem segue Jesus deve levar em seu interior a paz e buscar o bem de todos. Não pode excluir os outros por suas diferenças, nem alimentar a agressão e fomentar a desunião e a discórdia. Quem tem ódio no coração, não pode semear a paz. Conforme afirma o Pe. Pagola, “A paz de Jesus não se constrói com estratégias inspiradas na mentira ou na injustiça, mas atuando com o Espírito da verdade” (O Caminho Aberto por Jesus – João, p. 207).
No seu primeiro discurso, o papa Leão XIV destacou as palavras do ressuscitado desejando a paz. Uma paz desarmada, não imposta pela força, mas nascida do amor e da justiça; e desarmante, capaz de encerrar hostilidades e semear a reconciliação; humilde e perseverante, que provém de Deus, que nos ama a todos incondicionalmente. O papa manifestou também seu desejo de que aquela saudação de paz penetrasse no nosso coração, alcançasse nossas famílias e todas as pessoas, todos os povos, toda a terra.
Nossa querida mãe Maria, a quem veneramos com especial afeto neste mês, é a mulher do compromisso com a Palavra. A Palavra de Deus era guardada com amor no seu coração. Ela conservava aquilo que não compreendia, meditava em seu coração (cf. Lc 2,19) e ia discernindo ao longo da vida. No seu ventre a Palavra se tornou carne, se fez homem e habitou entre nós (cf. Jo 1,14). Mas ela não a reteve para si, deu-a ao mundo. Como Maria, acolhamos a Palavra no coração e a transformemos em ação.
A grandeza do ser humano, sua verdadeira riqueza, está naquilo que traz no coração (cf. José Tolentino, A Mística do Instante, p. 55). Nesta semana reflitamos: o que guardamos e trazemos no coração? Jesus pede-nos para guardar a sua palavra (v. 23). Quais palavras guardamos e recordamos ao longo da vida?