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Felizes os que creem sem ter visto

Nosso coração continua a vibrar de alegria com a ressurreição de Jesus, o acontecimento mais importante da história humana. Ainda celebramos sua vitória sobre morte neste segundo domingo de Páscoa. Quanta alegria a ser celebrada! Quanta esperança a ser recuperada! Quanto amor a ser alimentado! Quanta vida a ser vivida em plenitude!
Com a ressurreição, Jesus é reabilitado. À luz desse mistério, compreendemos melhor o passado, assumimos o presente e sonhamos com o futuro. O projeto de Jesus não foi derrotado. O Espírito enviado pelo ressuscitado nos ajuda a entender seus ensinamentos, a ter lucidez diante do momento histórico e coragem para caminhar com fé, buscando um mundo melhor e de um futuro definitivo, não como um caos esperado, mas como uma realidade construída com amor. A ressurreição também ilumina o incompreendido mistério da cruz: ressurreição e cruz não são realidades separadas, mas intimamente unidas, uma seguindo a outra, como evidenciado por João nas marcas das chagas que o Ressuscitado carrega no seu corpo. O Ressuscitado é o mesmo Crucificado por amor; o Vencedor é Aquele que parecia ter sido derrotado pela experiência terrível, cruel e injusta da morte de cruz.

O Evangelho deste domingo narra duas aparições de Jesus Cristo aos discípulos reunidos: a primeira sem Tomé e a segunda com ele presente. João inicia o relato situando a cena ao anoitecer do primeiro dia, recordando a origem da obra divina, quando Deus cria a luz dissipando as trevas (cf. Gn 1,1-2). No Ressuscitado, as trevas da morte são vencidas, a criação reabilitada, restaurada. É o entardecer de domingo, considerado já outro dia para os judeus, mas ainda o mesmo dia da ressurreição para os cristãos, o início do novo tempo inaugurado pela vitória de Jesus sobre a morte. A referência à tarde de domingo reflete o costume cristão de celebrar a Eucaristia nesse dia e horário, menção repetida na segunda aparição, com Tomé presente.

O texto descreve o grupo dos discípulos, assustados e trancados após a morte de Jesus. Esse medo, porém, é dissipado pela presença do Ressuscitado no meio deles, que rompe todas as barreiras. Nada mais pode reter o corpo do Senhor: nenhum sepulcro, nenhuma porta, nenhum espaço, nenhum tempo. Ele é Senhor do tempo, do espaço e da história. Não há limites para a ação de Jesus vencedor da morte, nenhuma barreira impedirá a expansão de seu amor.

A paz é o primeiro dom concedido pelo Ressuscitado: “A paz esteja convosco” (v. 19b). Essa saudação se repete por duas vezes (vv. 21 e 26). Aquele que traz em seu corpo as marcas da violência não manifesta ódio ou desejo de vingança, mas concede a paz como plenitude dos dons messiânicos. A paz ofertada por Ele não é mera formalidade, mas a garantia de todos os meios necessários para uma vida plena e feliz.

O evangelista João destaca o testemunho dos apóstolos, que viram o Senhor ressuscitado e transmitiram essa verdade. A ressurreição é atestada por aqueles que acolheram o Cristo, conviveram com Ele e morreram por acreditar no vencedor da morte. A dúvida de Tomé, que não estava com o grupo e exigiu tocar as chagas para crer, repete-se em muitos que buscam sinais espetaculares para aderir ao Ressuscitado. Embora fosse apóstolo, ele não é colocado acima dos outros cristãos. Muitos ainda necessitam de sinais para crer. No entanto, felizes são os que creem sem ter visto (v. 29).

Neste domingo da divina misericórdia, o Evangelho ressalta o valor da comunidade. Ela nos ajuda a acreditar, a viver e testemunhar a fé. Juntos somos mais fortes; juntos nos apoiamos e nos revigoramos para transformar a realidade. Sozinho é muito difícil! Nossa fé não se reduz a uma experiência intimista, a uma questão de consciência individual, tem dimensão comunitária. Ela é fruto do amor do Ressuscitado, recebido do testemunho dos apóstolos, que morreram por acreditar nessa verdade.

O grupo dos apóstolos, contemplado com a presença do Ressuscitado, é enviado em missão. Jesus sopra sobre eles o Espírito Santo e os envia. Diferente dos Atos dos Apóstolos, em João o Pentecostes não ocorre 50 dias depois da Páscoa, mas no próprio dia da Ressurreição. Com o sopro do Espírito, símbolo da nova criação, Jesus envia os apóstolos como portadores do perdão. Eles devem oferecer o perdão de Deus aos pecadores arrependidos, e reter os pecados daqueles persistem na rejeição ao amor. No entanto, a prática de Jesus foi sempre de generosidade no perdão. Ele nunca se recusou a perdoar. O perdão ordenado por Jesus nos desafia em uma cultura que alimenta ódio e perseguição contra as pessoas consideradas pecadoras por serem diferentes, a ponto de violentá-las.

As chagas de Jesus são destacadas no Evangelho. Tomé reconhece o ressuscitado ao tocá-las. O Documento de Aparecida nos convida a descobrir o rosto de Jesus Cristo nos mais sofridos, nos “chagados” da nossa história latino-americana, afirmando: “No rosto de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, maltratado por nossos pecados e glorificado pelo Pai, nesse rosto doente e glorioso, com o olhar da fé podemos ver o rosto humilhado de tantos homens e mulheres de nossos povos e, ao mesmo tempo, sua vocação à liberdade dos filhos de Deus” (n. 32). Que a dor do outro nos interpele, nos humanize e nos impulsione à misericórdia.

+ Jeová Elias Ferreira Bispo de Goiás

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“Deus viu que tudo era muito bom” (cf. Gn,1-31)

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