Solenidade de Pentecostes (Jo 20,19-23)
Reflexão de dom Jeová Elias
Hoje concluímos o ciclo pascal com a Solenidade de Pentecostes, o envio do Espírito Santo sobre a Igreja nascente. Celebrada cinquenta dias após a Páscoa, esta festa tem raízes na tradição judaica. Na origem, era a festa da colheita, após cinquenta dias da semeadura, quando o agricultor, com alegria, oferecia a Deus os primeiros frutos colhidos, expressando sua gratidão (cf. Ex 23,16; Nm 28,26; Lv 23,16ss). Mais tarde, Pentecostes passou a recordar a aliança firmada com Deus no Sinai, cinquenta dias após a saída da escravidão no Egito. Para nós, católicos, Pentecostes é a coroação da Páscoa de Jesus com o envio do Espírito Santo, cinquenta dias depois da ressurreição, coincidindo com a festa dos judeus, conforme relata os Atos dos Apóstolos (cf. At 2,1-11).
Pentecostes é a festa do envio do Espírito Santo, terceira pessoa da Santíssima Trindade, que edifica a unidade na diversidade dos dons. Por muito tempo, Ele ficou relegado a segundo plano, talvez por não ser representado de forma humana como o Pai e o Filho. As Escrituras o descrevem como fogo, brisa suave, pomba – a imagem mais conhecida e popular – é como ar, conforme o evangelho de hoje: Jesus soprou sobre os apóstolos e disse: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22). Mesmo com o crescimento atual das espiritualidades pentecostais e neopentecostais, ainda persistem incompreensões sobre essa pessoa da Santíssima Trindade.
A palavra Espírito, em hebraico, é Ruah, e significa sopro, vento, ar elemento indispensável à vida. É impossível viver sem respirar. Sem o Espírito, é impossível crer, amar ou fazer o bem. O Espírito é o ar que move a nossa vida. Segundo o cardeal Tolentino, Ele “é como um sopro enérgico, uma luz, um ânimo, um desassombro, um alento que nos faltava para podermos ser” (Nenhum Caminho Será Longo, p. 56). O Pe. Antonio Pagola, diz que sem Ele “a Igreja é barro sem vida: uma comunidade incapaz de introduzir esperança, consolo e vida no mundo. Pode pronunciar palavras sublimes sem comunicar o sopro de Deus aos corações” (Pagola, O Caminho Aberto por Jesus – João, p. 246).
João situa a cena de hoje ao anoitecer do primeiro dia, embora, para os judeus, já fosse o dia seguinte, pois eles iniciam o novo dia à tardinha. O primeiro dia recorda o início da criação, quando as trevas cobriam o abismo e um sopro de Deus agitava a superfície da terra. Deus fez brilhar a luz, sua primeira obra (cf. Gn 1,1-5). O anoitecer retrata o estado de ânimo dos discípulos: tristeza e medo sem a presença de Jesus. Eles estavam trancados por medo dos judeus (v. 19). Então o ressuscitado irrompe no cenário, trazendo paz e soprando sobre eles o Espírito (v. 22). Brilha nova luz, renasce a esperança, dissipam-se as trevas, o sorriso volta a brilhar nos seus lábios: a morte não venceu! A criação é restaurada.
Esse sopro de Jesus evoca o vento que fecundou a obra da criação (cf. Gn 1,2). Lembra também os ossos ressequidos que o profeta Ezequiel viu reviverem (cf. Ez 34,1-10), o sopro divino que infundiu vida ao primeiro homem (cf. Gn 2,7) e o Espírito agindo na concepção de Jesus no ventre de Maria (cf. Lc 1,35) e gerando a Igreja com a missão de renovar a face da terra (cf. Sl 104,30).
Ao soprar o Espírito Santo, força encorajadora para a missão, Jesus envia os discípulos como dispensadores do perdão aos pecadores dispostos. Esse sopro divino recebido enche os apóstolos de audácia para viverem e anunciarem o Evangelho. Pela ação do Espírito Santo, eles rompem as barreiras e se dirigem para o mundo. Oferecerão o perdão numa sociedade sedenta de vingança e serão sinais de amor em meio ao ódio.
O Espírito Santo como sopro de Jesus é símbolo de renovação. Como cantamos na Vigília Pascal, é o que renova a face da terra (cf. Sl 103). Sem ele, como adverte o Pe. Pagola, “podemos acabar vivendo numa Igreja que se fecha a toda renovação: não é permitido sonhar com grandes novidades; mais certo é uma religião estática e controlada que mude o menos possível” (O Caminho Aberto por Jesus – João, p. 247). O papa Francisco nos exortou a não temer mudanças, a rever certos costumes, sem ligação direta ao núcleo do Evangelho, que já não respondem aos novos desafios da evangelização (cf. Evangelii Gaudium n. 43). Ele nos convidou a ser Igreja em saída, sem medo de ferir-se no caminho, de ficar enlameada nas estradas das periferias (Ibidem, n. 49). O único medo legítimo é o de nos fecharmos em estruturas que nos dão uma falsa proteção (Ibidem, n. 88). Nenhuma porta resiste ao vendaval do Espírito.
Neste ano jubilar, a Igreja nos convida a ser “peregrinos de esperança”. Caminhemos, pois, iluminados pelo Espírito. Que Ele nos conceda fôlego para seguir adiante, disposição para amparar os que sofrem, sabedoria para reacender a chama da esperança em quem a perdeu e inteligência para motivar os que a guardam no coração. Como o vento, invisível mas vivo em sua ação, que o Espírito nos sustente para sermos testemunhas da esperança que não decepciona, porque brota do amor de Deus derramado em nossos corações (cf. Rm 5,5).
Com a Solenidade de Pentecostes concluímos a Semana de Oração pela Unidade Cristã, que neste ano nos interpelou com o questionamento de Jesus a Marta, sofrida com a morte de seu irmão Lázaro: “Crês nisso?” (Jo 11,26). Esta pergunta ressoa aos nossos ouvidos: em qual Jesus verdadeiramente acreditamos? Naquele que ressuscitou Lázaro e se compadece de nossa dor, ou num Jesus indiferente ao nosso sofrimento? O que significa crer no Filho de Deus, morto, sepultado, ressuscitado ao terceiro e que subiu ao céu? Pentecostes é a Festa da unidade na diversidade. É um convite a renovarmos nosso empenho pelo diálogo ecumênico, buscando superar as divisões históricas que escandalizam o mundo.
Nesta semana, iluminados pelo Espírito, nos perguntemos: tenho acolhido os dons do Espírito e conformado minha vida ao projeto de Deus, ou resisto? Sou instrumento de perdão e reconciliação nesse mundo marcado por divisões? Ponho meus dons a serviço dos irmãos, especialmente dos mais fragilizados? Alimento a esperança no meu coração e animo os desesperançados?
Com os corações cheios de alegria, acolhamos o sopro vivificante enviado pelo ressuscitado. Permitamos que o Espírito nos capacite a assumir com generosidade nosso lugar de serviço na comunidade, colocando os dons recebidos a favor da construção do Reino, especialmente junto aos mais necessitados. Que Ele nos ajude a transformar a face da terra!
+ Jeová Elias Ferreira Bispo de Goiás