A beleza de um abraço

No dia 22 de maio, pesquisei na internet, é celebrado o dia do abraço. Vi também que teve origem em 2004, por ocasião do retorno de um australiano chamado Juan Mann, depois de um tempo sofrido em Londres, mas que não encontra quem o receba em Sydney, sua cidade natal. Ele escreveu num cartaz: “Free hugs”, abraço grátis, e o expôs consigo num dos locais mais movimentados da cidade. Após alguns olhares desconfiados, algumas pessoas acolheram a oferta do seu abraço.

São inúmeros os benefícios do abraço destacados por alguns especialistas. Dizem que ele estimula a produção do hormônio oxitocina, que produz a sensação de bem-estar. Ele diminui o estresse, melhora a comunicação, aumenta a autoestima, reduz a pressão arterial, diminui a sensação de dor, reduz os medos, melhora o humor. Contudo, o mais importante é que ele nos ajuda a ser mais humanos. Também possibilita manifestar o amor divino, pois “o corpo é a língua materna de Deus” (José Tolentino, A mística do Instante, p. 12).

Quanta falta faz o abraço caloroso, amoroso, cheio de ternura, neste tempo sofrido e esperançoso de pandemia. Faz falta acalentar o sofrimento e a dor com um abraço. Faz falta a despedida com um abraço. Faz falta o cumprimento efusivo e alegre com um abraço. Quantos abraços estamos devendo e de quantos abraços somos credores!

O cardeal português José Tolentino, numa meditação apresentada aos bispos brasileiros, em novembro de 2020, sobre este tempo de pandemia, intitulada “Que parábolas para o nosso tempo”, apresentava o abraço como uma escola de humanidade. Dizia: “O abraço é uma longa conversa que acontece sem palavras. Tem uma incrível força expressiva. Comunica a disponibilidade para entrar em relação com os outros, superando o dualismo, fazendo cair armaduras e desculpas. Os abraços são a arquitetura íntima da vida, o seu desenho invisível; são plenitude consentida ao afeto que reconcilia e revitaliza. Num abraço, tudo o que tem de ser dito soletra-se no silêncio, e ocorre isto que é tão precioso e afinal tão raro: sem defesas, um coração coloca-se à escuta de outro coração”. Ressaltava que a pandemia nos acorda “para reconhecermos o valor de dimensões da vida e da humanidade e, nesse sentido, nos reconduz ao essencial”.

Na meditação referida, o cardeal Tolentino busca parábolas no nosso tempo que manifestem os valores do Reino de Deus. Ele destaca uma notícia de um jornal sobre um lar de idosos na Itália que criou a sala dos abraços para favorecer a troca de afeto entre os idosos e seus amigos e parentes, com a proteção de uma cortina de plástico. As pessoas podiam trocar os afetos sem transgredir os protocolos sanitários. A propósito, a foto do dinamarquês Mad Niessen mostrando um abraço entre uma cuidadora e uma senhora idosa, em Ribeirão Pires, na grande São Paulo, com a proteção de uma capa plástica, foi eleita como a foto do ano 2020 pela organização World Press Photo. Ela ressalta a emoção do abraço entre as duas mulheres, o primeiro recebido pela idosa de 85 anos em 5 meses após o início da pandemia.

A Bíblia apresenta alguns abraços que marcaram a história da salvação como gestos de acolhida misericordiosa e alegre, mas também contendo as lágrimas de despedida. Destaca o abraço do Pai misericordioso acolhendo o filho que retorna ao lar (Cf. Lc 15,20), imortalizado no belíssimo quadro pintado por Rembrandt. Apresenta a demonstração de afeto de Jesus tocando as pessoas, mesmo aquelas que a Lei do puro e do impuro impedia: os leprosos, os enfermos em geral, os falecidos… Jesus abraçava as crianças e as acolhia com amor (Cf. Mc 10,13-16). Registra ainda o doloroso abraço na despedida de Paulo, sem a perspectiva de reencontro com os seus amigos anciãos de Éfeso (Cf. At 20,37).

Outro abraço importante foi o de Francisco de Assis num homem leproso: um momento inesquecível na sua vocação. São Francisco manifestava a misericórdia divina que toca a miséria humana, superando a tentação de manter-se distante das chagas do Senhor. Como diz o Papa Francisco: “O amor às pessoas é uma força espiritual que favorece o encontro em plenitude com Deus” (Evangelii Gaudium n. 272).

Neste tempo de pandemia, grande parte dos contatos humanos foram deslocados para os meios digitais: os encontros, as celebrações, os debates, as canções. Todavia, “nenhum meio digital pode satisfazer o desejo da alma humana de ter contato direto com seus entes queridos, com a realidade; nada pode substituir a interação direta com a complexidade que as experiências dos outros oferecem. A comunicação é muito mais do que uma conexão, é muito mais fecunda quando há vínculos de confiança: comunhão, fraternidade, presença física” (Papa Francisco, Vamos sonhar Juntos, p. 30). O Papa reconhece a necessidade do distanciamento social como um dos meios preventivos contra a pandemia, mas afirma que será insustentável por longo tempo sem corroer a nossa humanidade. Existimos para os contatos físicos e não somente para as conexões.

Enquanto persistir a pandemia, cultivemos os contatos pelos meios digitais que dispomos. É melhor do que nada: um telefonema, uma mensagem, uma declaração de amor, o envio de um abraço com palavras ternas. Sonhemos com o retorno de relações mais humanas pós-pandemia. Não sejamos mesquinhos na nossa manifestação de afeto. Não economizemos carinho como um avarento acumula dinheiro. Que os abraços, que não pudemos dar e receber, sejam multiplicados com generosidade.

Deixo aqui um abraço do tamanho do mundo a você que lê este artigo.

+ Dom Jeová Elias

Bispo Diocesano de Goiás

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