Neste domingo, com a Festa do Batismo do Senhor, encerramos o ciclo litúrgico do Natal. O Evangelho desta celebração inicia destacando a expectativa do povo quanto à vinda do Messias e a dúvida se João Batista seria o escolhido (v. 15). Sob o domínio romano, o povo tinha anseio pela chegada do ungido que o libertasse do jugo opressor e estabelecesse o direito e a justiça. Contudo, João Batista rejeita essa identificação e, na sua humildade, reconhece não ser digno de desamarrar a correia das sandálias daquele que virá, que é mais forte que ele (v. 16).
Lucas apresenta Jesus recebendo o batismo de João Batista no rio Jordão. Aquele batismo continha uma dimensão penitencial, de arrependimento. Jesus não precisava se submeter a ele, pois não possuía pecado, nem necessidade de arrependimento, contudo entra na fila dos pecadores, assumindo sobre os seus ombros o pecado da humanidade. O batismo de Jesus aponta para sua missão e marca o início público do seu ministério.
Os quatro versículos proclamados na festa de hoje destacam alguns sinais significativos que ocorrem enquanto Jesus estava rezando. O evangelista Lucas, com frequência, apresenta Jesus em oração. Os sinais hoje apresentados estão repletos de simbolismo e se relacionam com outros textos bíblicos:
O céu aberto remete ao anseio do profeta Isaías (63,19), que cantamos com alegre expectativa no tempo do Advento: “Senhor, abre os céus, que as nuvens chovam o salvador”! O céu, fechado pela desobediência humana, é reaberto em Jesus Cristo, restaurando a comunhão da humanidade com Deus. Deus não deseja a morte do pecador, dele não provém a ira contra quem peca, mas o amor e a paz. O céu aberto é a resposta divina à oração esperançosa do seu povo;
A voz vinda do céu que proclama Jesus como o Filho amado do Pai, ecoando o Salmo 2,7: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei”. Este Salmo era usado na entronização de um rei no dia da sua posse em Judá. Ele aponta para Jesus como um rei diferente, que exerce o direito e a justiça em favor dos oprimidos;
O Espírito Santo, que desce como pomba sobre Jesus, recorda a primeira obra da criação, quando o vento de Deus pairava sobre as águas (cf. Gn 1,2). A obra estragada com a desobediência humana agora é restaurada em Jesus Cristo. No seu batismo manifesta-se a nova criação divina. A descida do Espírito como pomba não significa a sua descrição física, mas seu movimento simbólico. Embora o Espírito fosse familiar a Jesus desde sua concepção, agora se manifesta publicamente como a verdadeira unção e investidura de Jesus como Messias.
Nesta Festa do Batismo de Jesus, a Igreja nos convida a tomar consciência do nosso batismo e a nos alegrar por sermos filhos de Deus, membros da Igreja e irmãos dos outros. Pelo batismo, somos mergulhados no mistério de Deus-comunhão e inseridos no Povo de Deus, tornando-nos corresponsáveis uns pelos outros. Aí reside a nossa dignidade e a nossa vocação fundamental. Que dignidade ser filho de Deus! Que responsabilidade viver a filiação divina! Isto nos leva a reconhecer e defender a dignidade de cada pessoa humana.
O batismo nos torna discípulos de Jesus e não deve ser reduzido a uma mera tradição. Pelo contrário, no batismo nos tornamos discípulos-missionários de Jesus. Como afirmou o papa Francisco, em Medellin, “o nosso discipulado não pode ser motivado simplesmente por um costume, porque dispomos dum certificado de batismo, mas deve partir duma experiência viva de Deus e do seu amor. O discipulado não é algo de estático, mas um caminho contínuo para Cristo; não é simplesmente a adesão à explicitação de uma doutrina, mas a experiência da presença amorosa, viva e operante do Senhor, uma aprendizagem permanente através da escuta da sua Palavra. E esta Palavra impõe-nos cuidar das necessidades concretas dos nossos irmãos: pode ser a fome de quem vive ao nosso lado, ou a doença”.
O papa Francisco observa que muitas pessoas batizadas ainda não vivem plenamente as exigências do batismo, “não sentem uma pertença cordial à Igreja e já não experimentam a consolação da fé” (Evangelii Gaudium n. 14). Como mãe solícita, a Igreja esforça-se para que elas recuperem a alegria da fé e o desejo de se comprometerem com o Evangelho.
Como batizados, membros do Povo de Deus, devemos caminhar juntos, escutando uns aos outros e, sobretudo, ouvindo o que o Espirito Santo nos fala. “Todo o Povo de Deus compartilha uma dignidade e uma vocação comum através do batismo. Todos nós somos chamados, em virtude do nosso batismo, a ser participantes ativos na vida da Igreja. Nas paróquias, pequenas comunidades cristãs, movimentos leigos, comunidades religiosas e outras formas de comunhão, mulheres e homens, jovens e idosos, todos somos convidados a escutar uns aos outros para ouvir os impulsos do Espírito Santo, que vem para guiar os nossos esforços humanos, dando vida e vitalidade à Igreja e conduzindo-nos a uma comunhão mais profunda para a nossa missão no mundo” (Vade Mecum item 1.2).
Pelo batismo, fomos mergulhados no amor divino e renascemos para uma nova vida. Fomos revestidos de nova veste. Assim como Jesus, também nós ouvimos a voz do Pai: “Tu és meu filho amado, em ti ponho o meu bem-querer” (v. 22). Com o Batismo, mergulhamos no mistério da Santíssima Trindade: fomos batizados em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.
Alegremo-nos, pois, com o nosso batismo! Ele nos confere a dignidade de filhos e filhas de Deus, a pertença à Igreja e requer o compromisso de sermos discípulos-missionários, testemunhas do amor de Cristo e peregrinos da Esperança.