InícioA Voz do PastorReflexão Bíblica''Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro'' (Lc 16,13)

”Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16,13)

No texto deste 25º domingo do Tempo Comum, Jesus dirige uma palavra aos seus discípulos, que continuam a caminhada com Ele rumo a Jerusalém e devem estar cientes dos obstáculos e desafios que enfrentarão. A parábola contada por Jesus, do administrador astucioso, deve ajudar no discernimento deles e estimular os que ainda estão indecisos. O enredo da parábola toma como base um escândalo administrativo, conforme o costume da época na região (vv. 1-9). Depois, São Lucas reúne alguns ditos para corrigir a figura do administrador astuto (vv. 10-13).

Jesus diz que um homem rico tinha um administrador que foi acusado de esbanjar os seus bens. Ele exige a prestação de contas do seu funcionário e o ameaça de demissão. A relação de trabalho entre as duas partes, à época, tinha critérios próprios. O pagamento que o gerente recebia provinha não de um salário fixo, mas de um percentual que ele acrescentava ao valor da mercadoria, uma espécie de juro. Parece que esse administrador era ganancioso, cobrava taxas elevadas, e, com isso, fazia seu patrão perder clientes e lucro. Diante do risco da perda do trabalho e do medo de não conseguir outra ocupação, o administrador age com esperteza e resolve renegociar com os devedores. Ele chama cada um e diminui o valor da dívida. Provavelmente, o valor que diminuiu era parte da sua recompensa pelo trabalho prestado. Ele está abrindo mão da sua remuneração, mesmo que exorbitante. O relato menciona dois exemplos de dedução da dívida: um, favorecendo o comprador de óleo, reduzindo em 50% o valor; e outro, em favor do comprador de trigo, com a redução de 20% do valor. Caso perca o seu emprego, pensa o administrador, terá amigos que poderão acolhê-lo numa necessidade. O abono total da dívida, conforme valores de então, equivalia a aproximadamente mil denários. Um denário era o valor recebido por um dia do trabalhador agrícola. A dívida total perfazia um valor aproximado de três mil e quinhentos denários (Cf. Fabris, R. e Maggioni, B., Os Evangelhos (II), p. 165). Eram valores consideráveis!

A artimanha do administrador provoca admiração no patrão, que o elogia por ter agido com sagacidade. A parábola é intrigante ao deixar a falsa impressão de que Jesus está propondo o administrador ganancioso como modelo aos seus discípulos. Porém, Ele está destacando não a desonestidade, mas a habilidade do administrador em encontrar uma solução para o problema detectado. Jesus constata a esperteza de muitos ao fazerem o mal, e a lerdeza de tantos em encontrar soluções para fazer o bem. Com isso, nos convida a ser criativos na prática do bem. A encontrar novas respostas aos novos desafios que surgem na nossa caminhada rumo a Jerusalém, como discípulos missionários. O desejo de acúmulo sempre é condenado por Jesus. Os seus discípulos devem ser desapegados dos bens.

Após a narrativa da parábola, Lucas reúne alguns ditos de Jesus. Esses ditos admoestam os seus discípulos quanto à relação com os bens. Eles não devem ser movidos pela ganância do administrador da parábola. Devem usar o dinheiro, termo colocado três vezes em destaque, para fazer o bem, para construir relações de fraternidade, para servir. O termo dinheiro é representação de todo poder econômico que sequestra o homem, incompatível com o serviço a Deus. É recordação do bezerro de ouro, ídolo bíblico (Cf. Ex 32,1-6). O absoluto na vida do seguidor de Jesus não são os bens materiais, mas a capacidade de dispor da vida para servir, inclusive dos bens. O discípulo deve ser livre para servir a Deus com todo o seu coração.

Lucas conclui os seus ditos com a afirmação da impossibilidade de servir a dois senhores: a Deus e ao dinheiro (v. 13). O absoluto na vida do discípulo missionário é Jesus. Os bens são relativos, passam; Ele é eterno. Nossa vida é transitória, os bens devem estar a nosso serviço e a serviço dos irmãos. Entre os que ouviam Jesus, conforme constata Lucas após esse dito (v. 14), estavam os fariseus, denominados “amigos do dinheiro”, que zombavam dele. Eles entendem, seguindo o ensinamento da doutrina da retribuição, que a riqueza é sinal da bênção divina. Mas essa visão destoa da proposta de Jesus. Conforme o Pe. Pagola, isto precisa ser dito em voz alta, “porque ainda há pessoas ricas que de maneira quase espontânea pensam que seu êxito econômico e sua prosperidade são o melhor sinal de que Deus aprova a sua vida. (…) Um seguidor de Jesus não pode fazer qualquer coisa com o dinheiro: há um modo de ganhar dinheiro, de gastá-lo e de desfrutá-lo que é injusto, porque esquece os mais pobres” (Pagola, O Caminho Aberto por Jesus – Lucas – p. 265). Atualmente, a doutrina da retribuição se apresenta como teologia da prosperidade e defende a mesma tese: que a riqueza é bênção de Deus e a pobreza, maldição. Alguns buscam certas igrejas e correntes cristãs, na ilusão de ficarem ricos, de prosperarem. Parece que Deus é o dinheiro, desvirtuam a mensagem de Jesus.

O papa Francisco, reiteradas vezes, tem advertido que “o diabo entra pelo bolso – ou pela carteira. Com isso, alerta quanto ao risco de nos tornarmos servos dos bens e não seus administradores, que os colocam a serviço de todos. Ele  afirmou que o mundo atual vive a feroz idolatria do dinheiro, possui uma política economicista sem qualquer freio ético e que dirige o rumo dos grupos sociais conforme essa conveniência, trazendo como consequência a concentração da riqueza no centro e o descarte nas pontas[1]. Comparou a idolatria do dinheiro com o episódio do bezerro de ouro (Ex 32,1-35), cruel versão do fetichismo monetário numa economia sem rosto (EG n. 55), exortando a que se diga não para uma economia desumana[2]. No II encontro com os movimentos populares na Bolívia, o papa bradou: “Esta economia mata”[3]!

Brevemente exerceremos nossa cidadania com o voto. Como verdadeiros cristãos, um dos critérios para votar é escolher, entre os muitos candidatos que se credenciaram, sobretudo à presidência da República, mas também a outros cargos, os que defendem uma economia a serviço da vida, que colocam no centro das suas preocupações e do seu projeto de governo os mais pobres. Que não estejam a serviço dos interesses dos grandes grupos econômicos.

+Dom Jeová Elias

Bispo Diocesano


[1] Francisco Papa, Mensagens e homilias – JMJ Rio 2013, (Brasília: Edições CNBB, 2013), 137.

[2] Vaticano, Encontro com representantes da sociedade civil em Assunção, Consultada 04/09/2018. http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/july/documents/papa-francesco_20150711_paraguay-societa-civile.html.

[3] Francisco Papa, Discurso do Papa Francisco no II Encontro Mundial dos Movimentos Populares v.4 (Brasília: Edições CNBB, 2015), 7-8, 14.

 

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