Hoje o evangelista Lucas começa o seu texto dizendo que Jesus estava rezando num certo lugar. Estamos acompanhando-o na sua longa viagem teológica a Jerusalém. Mesmo cansado da caminhada, Ele faz pausa para oração. São Lucas o apresenta como alguém que reza, sobretudo nos momentos mais importantes e decisivos da sua vida. A viagem a Jerusalém é um desses momentos, em que seus discípulos serão formados.
Ao terminar sua oração, um dos discípulos pede a Jesus: “Senhor, ensina-nos a rezar, como João ensinou a seus discípulos” (v. 1b). A esse pedido, Jesus ensina a oração do “Pai-nosso”, numa versão mais breve do que a apresentada pelo evangelista Mateus (Cf. Mt 6,9-13), que contém sete pedidos, enquanto a de Lucas contém somente cinco. Depois, ilustra o seu ensinamento com a parábola do amigo importuno, que é atendido ao pedir pães; e a comparação entre o pai humano que dá coisas boas aos seus filhos, e o Pai divino, que concede o melhor aos que lhe pedirem: o Espírito Santo.
A oração ensinada por Jesus, o “Pai-nosso”, é rezada por todas as religiões cristãs, uma das mais conhecidas e usadas. Faz parte da nossa fé desde a infância. Para Tertuliano (155-220), que primeiro a comentou, é o resumo de todo o Evangelho (Cf. Iglesias, Um retiro com o Pai-nosso, p. 11); para o exegeta protestante Joaquim Jeremias, é um compêndio da pregação de Jesus. Inúmeros livros foram escritos e publicados nas diversas Igrejas cristãs tratando dessa oração.
Jesus introduz o seu ensinamento sobre a oração com uma grande novidade: chamar a Deus de Pai, o que soava aos ouvidos dos judeus como uma ousadia e até falta de respeito. A palavra ensinada por Jesus expressava a confiança e o carinho das crianças por seus pais: Abba. Deus não é simplesmente Senhor, ou amigo, mas nosso Pai querido. Dirigir-se a Ele como filhos envolve cada pedido da oração. Em Jesus, o Filho amado, somos também filhos queridos e amados de Deus. A paternidade divina supera infinitamente a humana, conforme comparação feita por Jesus ao final do texto deste domingo.
Lucas apresenta “um catecismo sobre a oração do cristão” (Bortolini, Roteiros homiléticos, p. 646), composto por cinco partes: as duas primeiras referentes ao Pai e as três seguintes referentes às nossas relações humanas.
O primeiro pedido, “santificado seja o teu nome”, mais do que um pedido, é um compromisso da pessoa que deseja viver a comunhão com o Pai. Duas ideias se destacam: a santidade e a importância do nome de Deus, que se inter-relacionam. A santidade divina se manifesta em Jesus que torna realidade o Reino de Deus. O nome tem grande importância para a Bíblia, manifesta a essência da pessoa e sua missão. Pelo nome, Deus quer ser conhecido. Conforme a primeira carta de São João, o nome de Deus é Amor (Cf. 1 Jo 4,8). A santidade do nome de Deus se concretiza nos gestos amorosos vividos por aqueles que creem. Conforme cantamos no “Pai-nosso dos mártires”, o nome de Deus é santificado naqueles que morrem defendendo a vida.
“Venha o teu Reino” é o segundo pedido. Manifesta o nosso desejo de um mundo marcado pelos valores anunciados por Jesus: a justiça, a liberdade, a fraternidade a paz, a união… Esse pedido implica o compromisso cristão de construir o Reino, presente entre nós, mas sempre em construção. Todos os outros pedidos têm ligação com este: no sentido positivo, com os valores expressos; ou negativo, com os riscos do anti-reino. Jesus anuncia o Reino e o manifesta concretamente nos sinais realizados. O seu Reino é diferente do reino imposto pelos poderosos com a força das armas e o desrespeito aos pequenos.
O pão de que necessitamos é o terceiro pedido (v. 3). Lucas destaca: “a cada dia”. O pedido implica a confiança na providência divina, que criou o mundo para todos, e o compromisso de partilhar os dons concedidos por Deus. A mesa do Reino, contendo pão necessário para todos e todas, localiza-se no centro da oração ensinada por Jesus. No nosso país, um dos maiores produtores de grãos do mundo, mais de trinta e três milhões de pessoas sofrem a fome. Outros milhões vivem a insegurança alimentar, não sabem se terão a próxima refeição do dia. Um país que se diz cristão, que alimenta cerca de oitocentos milhões de pessoas no mundo, deixa milhões de compatriotas padecer a dor da fome. Isto nos envergonha! Produzimos pão suficiente para todos, falta justa distribuição, falta fraternidade. Certamente, para viver a alegria do Reino de Deus, precisamos não somente do pão, do arroz com feijão. Como dizem os Titãs, “A gente não quer só comida /A gente quer comida / Diversão e arte”. Além da comida, precisamos de outros meios para vivermos a felicidade proposta pelo Reino de Deus.
No quarto pedido, constatamos o risco do anti-reino, o pecado que prejudica as nossas relações humanas e com Deus. Nesse pedido está a certeza da nossa fraqueza humana que, muitas vezes, é vencida. Mas também está a confiança profunda na misericórdia divina, num Deus que nunca se cansa de perdoar, como ensina o Papa Francisco. Esse é o único pedido que contém um compromisso: “pois nós também perdoamos os nossos devedores” (v. 4). O perdão aos devedores, ensinado por Jesus, foi testemunhado ao longo da sua vida. Ele sempre perdoou. Do seu coração nunca saiu ódio pelos inimigos. Também do coração dos seus seguidores deve sair somente o amor, mesmo aos inimigos (Cf. Lc 6,35-36). Somente quem ama perdoa. A essência de Deus é o amor. O nome dele é misericórdia: coração que tem compaixão.
Quem ensina a odiar os inimigos, atacá-los e destruí-los, não pode se dizer seguidor de Jesus Cristo.
O último pedido: “não nos deixe cair em tentação” (v. 4), revela os riscos que continuamos a correr, de não ser fiéis ao projeto de Jesus Cristo. Mesmo perdoados, ainda portamos nossas fraquezas. A tentação não é pecado, pois Jesus também enfrentou tentações ao longo da sua vida, mas não cedeu. Ele sempre venceu o tentador. Somos tentados de modo interior e exterior. Pedimos a graça de não fugir de Jesus Cristo ou trair o que Ele nos propôs. Na oração somos fortalecidos para vencer todas as tentações que se apresentam no cotidiano da nossa vida e que nos impedem de viver os valores do Reino, pedido no início dessa oração.
Após ensinar a orar, Jesus ilustra o tema com a história do amigo importuno que insiste para que lhe empreste pães, sendo atendido, mesmo que em vista da impertinência. Também devemos pedir ao Pai, que nunca se sentirá incomodado em atender as necessidades dos seus filhos, como mostra a comparação seguinte, do pai humano que concederá aquilo que o filho pediu. Pedir é atitude própria do pobre que necessita da ajuda do outro. Sejamos, portanto, perseverantes na nossa oração: peçamos e receberemos; procuremos e encontraremos; batamos e a porta se abrirá (v. 10). Lucas não diz o que devemos pedir, mas afirma que Deus dará o Espírito Santo aos que o pedirem. Ele inspirará o que pedir. À luz dele, seremos capazes de construir uma sociedade melhor.
Como o discípulo de Jesus, pedimos: “Senhor, ensina-nos a rezar!” (v.1). Mais do que aprender as técnicas da oração, queremos a abertura do coração e a disposição para um relacionamento profundo e amoroso com Deus e com os irmãos. A melhor oração é aquela que posso fazer neste momento. Nossa oração, como diz o Teólogo português José Tolentino, “será insuficiente, limitada, imperfeita, tosca, balbuciante ou rudimentar. É como é. Será pobre, fragmentada, distraída ou dispersa. Será diferente daquela que já fomos capazes de fazer no passado ou incomparavelmente diversa daquela oração idealizada que gostaríamos que fosse a nossa. O importante é não deixar de rezar” (Elogio da Sede, p. 25).
+ Dom Jeová Elias Ferreira
Bispo Diocesano