Neste domingo, com Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, encerramos este ano litúrgico. Considerando a resistência de Jesus ao título de rei (cf. Jo 6,15; 18,36), seria talvez mais apropriado celebrá-lo como Jesus Cristo Servidor Universal! De fato, Jesus aceitou o título de rei apenas no seu julgamento, conforme o Evangelho deste domingo, mas com ressalvas significativas (cf. Jo 18,36-37). Essa festa foi instituída em 1925 pelo papa Pio XI, com a intenção de combater os excessos da cultura política da época, que buscava excluir Deus da vida pública. Além disso, combateria o clericalismo dos religiosos que pretendiam servir-se de Deus e o cesaropapismo, que representava a interferência de governantes na religião. Os frutos esperados dessa festa eram a liberdade, a ordem, a tranquilidade, a concórdia e a paz entre os homens (cf. Adam, Adolf. O Ano Litúrgico, p. 174-175).
O texto de João deste domingo faz parte da seção da paixão de Jesus, que começa com a sua prisão, continua com o seu julgamento no tribunal judeu e depois diante de Pilatos, culmina em sua condenação e morte, e termina com o seu sepultamento. Estamos na segunda cena do encontro de Pilatos com Jesus, após Pilatos ter saído para interrogar os judeus sobre as acusações que fizeram contra Ele. A inclusão da confissão do reinado de Jesus no relato da paixão tem um propósito teológico significativo: mostrar o contraste entre os reinos encontrados no mundo e a sua realeza.
A cena do julgamento de Jesus ocorre em Jerusalém, na parte da manhã, no pretório de Pilatos, localizado no palácio que ele ocupava por ocasião das grandes festas. Ele administrou a região da Judeia e a Samaria entre os anos 26 e 36. Estava em Jerusalém com suas tropas por ocasião da Páscoa, para manter a ordem na cidade. Diante da sua cadeira ocorre o julgamento e condenação de Jesus.
No breve texto deste domingo, Pilatos faz três perguntas a Jesus. A primeira é se Ele seria o rei dos Judeus (v. 33b), que não reflete sua opinião pessoal, mas vem da acusação das lideranças judaicas. Jesus o provoca a formular a pergunta correta, demonstrando que é, de fato, o protagonista da cena. Pilatos, então, refaz a indagação, com uma segunda pergunta: “o que fizeste? ” (v. 35), dando a oportunidade para Jesus esclarecer a questão. Para as autoridades, Jesus é um malfeitor. Pilatos nega qualquer responsabilidade pessoal, julga conforme a delação dos sumos sacerdotes e do povo (v. 35). Jesus então confessa que é rei, mas esclarece que o seu reino não pertence a este mundo. Caso o seu reino fosse deste mundo, Ele teria guardas para defendê-lo contra a entrega aos judeus (v. 36).
O título de rei, admitido por Jesus, é muito diferente do entendimento que os judeus tinham ao acusá-lo. Ele diz que o seu reino não é deste mundo e mostra que a essência da sua realeza está na doação da sua vida por amor à humanidade, enquanto os outros reis do mundo podem usar a força para conquistar e se manter no poder. Por isto, somente no contexto da paixão Jesus confessa ser rei. O Reino inaugurado por Jesus, anunciado pela sua palavra e demonstrado pelos seus gestos amorosos, que culminam na cruz, tem valores diferentes. Como rezamos no prefácio da solenidade de hoje, é um “reino eterno e universal: reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino da justiça, do amor e da paz”.
A terceira pergunta de Pilatos é reafirmação da primeira: “Então, tu és rei? “ (v. 37). Jesus confirma ser rei, ter vindo ao mundo para dar testemunho da verdade. A força do seu reinado é a verdade. Para São João, a verdade é a realidade de Deus, manifestada nos gestos amorosos de Jesus, no seu amor até o extremo. A verdade é o amor incondicional e sem medida de Deus, que conduz à plenitude da vida. É o oposto da mentira, com a marca do egoísmo, que falseia a beleza da vida humana. Jesus é fiel ao projeto do Pai. Os seus discípulos são aqueles que livremente aderem, na fé, à verdade proclamada por Ele. Sua verdade proclamada e testemunhada desmascara a hipocrisia dos reinos temporais que não estão a serviço da vida de todos; que defendem os interesses dos poderosos em detrimento da vida dos mais pobres. Esclarece nossas dúvidas mais profundas, dá sentido à nossa existência e nos dá força para construir um mundo melhor.
A acusação de que Jesus queria ser rei, é falsa, provém da inveja nutrida pelas autoridades judaicas, do incômodo provocado pela pregação dele e dos gestos amorosos que beneficiavam os mais sofridos e penalizados pelas autoridades civis e pela religião, que justificava algumas injustiças cometidas contra os mais frágeis. O esclarecimento de Jesus sobre o sentido do seu reinado, não convence as autoridades civis nem os líderes religiosos. Muitas dessas pessoas que o acusaram eram religiosas, se consideravam do bem, mas condenaram um inocente à morte. Isto nos alerta quanto à repetição do erro na condenação de inocentes que se empenham na defesa de reinos diferentes, onde os pobres sejam respeitados na sua igual dignidade de filhos de Deus.
Neste domingo de “Cristo Rei” celebramos também o Dia Nacional do Leigo e Leiga, sob o tema: “Cristãos leigos e leigas em uma Igreja Sinodal: Testemunhas da esperança”. Pelo Batismo, as pessoas leigas participam da realeza de Cristo e devem testemunhar que Ele é o Rei libertador e salvador de todos. Elas compõem a maioria do povo de Deus e devem anunciar e testemunhar os valores do Reino nas diversas realidades temporais em que atuam, sem perder a esperança diante dos enormes desafios da sociedade atual. Devem ser presentes na vida dos pobres ajudando-os também a não perderem a esperança. Agradeço aos leigos e leigas da nossa Diocese que generosamente se empenham na missão de anunciar os valores pregados por Jesus e denunciar a injustiça dos reinos humanos que contrariam os princípios defendidos por Ele.