Hoje concluímos o ciclo litúrgico da Páscoa com a Solenidade de Pentecostes, ou o envio do Espírito Santo sobre a Igreja nascente. Esta solenidade, celebrada cinquenta dias depois da Páscoa, remonta à antiguidade, mas com a novidade cristã. Foi uma festa da colheita, que celebrava a alegria do agricultor com os primeiros frutos e sua gratidão a Deus ofertando as primícias colhidas (Cf. Ex 23,16; Nm 28,26; Lv 23,16ss). Mais tarde, Pentecostes foi celebrada como recordação da aliança firmada com Deus, cinquenta dias após a saída da escravidão no Egito para a liberdade dos filhos e filhas de Deus. Para nós, católicos, Pentecostes é o coroamento da Páscoa de Jesus com o envio do Espírito Santo, cinquenta dias depois da ressurreição, coincidindo com a festa dos judeus, conforme o texto dos Atos dos Apóstolos da primeira leitura de hoje (Cf. At 2,1-11). Mas para São João, o envio do Espírito Santo ocorre no mesmo dia da ressurreição.
Pentecostes é a festa do envio do Espírito Santo, terceira pessoa da Santíssima Trindade, que edifica a unidade do amor na diversidade dos dons de cada pessoa. Durante longo tempo Ele ficou relegado a segundo plano por não ser representado como uma figura humana, a exemplo do Pai e do Filho. Foi representado como fogo, como brisa, como pomba, a imagem mais popular, e como ar, conforme apresenta João no evangelho de hoje: Jesus soprou sobre os apóstolos e disse: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22). Mesmo com a expansão de espiritualidades pentecostais, ainda permanecem incompreensões sobre Ele.
A palavra Espírito, em hebraico, é Ruah, que significa sopro, vento, elemento essencial para a existência da vida. É impossível viver sem o ar. A representação do Espírito como ar manifesta a impossibilidade da vida sem Ele. É impossível viver sem respirar! O Espírito é o ar que move a nossa vida: sem Ele não podemos acreditar, não podemos viver, não podemos amar, não podemos fazer o bem. Sem Ele “a Igreja é barro sem vida: uma comunidade incapaz de introduzir esperança, consolo e vida no mundo. Pode pronunciar palavras sublimes sem comunicar o sopro de Deus aos corações” (Pagola, O Caminho Aberto por Jesus – João, p. 246).
João inicia o Evangelho deste dia situando a cena no tempo: era o anoitecer do primeiro dia; embora, para os judeus, já fosse o dia seguinte, pois eles iniciam o novo dia à tardinha. Mas, para João, ainda é o primeiro dia, o dia da ressurreição. O primeiro dia recorda o início da criação, quando as trevas cobriam o abismo e um sopro de Deus agitava a superfície da terra. Deus fez brilhar a luz, sua primeira obra (Cf. Gn 1,1-5). O anoitecer retrata o estado de ânimo dos discípulos: tristeza e medo sem a presença de Jesus. Eles se encontravam trancados por medo dos judeus (v. 19). No ressuscitado ocorre a nova criação. O bonito projeto inicial de Deus, comprometido pela desobediência humana, é restaurado na obediência do Filho Jesus. Brilha nova luz, renasce a esperança, dissipam-se as trevas, o sorriso volta a brilhar nos lábios dos discípulos: a morte não venceu. Tudo isso é recuperado na paz concedida por Jesus como primeiro dom da ressurreição.
O sopro que Jesus insufla sobre os Apóstolos recorda e resgata a criação divina, o vento que soprava sobre as águas, fecundando a obra da criação (Gn 1,2). Lembra também os ossos ressequidos, mencionados pelo profeta Ezequiel, que recuperam a vida com o sopro do Espírito (Cf. Ez 34,1-10). Recorda ainda o sopro divino de vida no relato da criação do homem, tornando-o um ser vivente (Gn 2,7). Na nova criação, o Espírito age fazendo com que Maria conceba Jesus Cristo, o Filho de Deus. Agora Ele gera a Igreja, renova a vida, renova a obra da criação divina.
O ressuscitado envia os discípulos em missão: eles devem ser portadores do perdão aos pecadores dispostos. Para isto, sopra o Espírito Santo, força encorajadora para a missão (Cf. Jo 20,21-22). Esse sopro divino enche os Apóstolos de audácia para viverem e anunciarem o Evangelho. Eles, que estavam trancados, assustados e medrosos, agora, pela ação do Espírito Santo, rompem as barreiras e se dirigem para o mundo. Dispensarão o perdão diante de uma sociedade que almeja vingança; serão sinal do amor ante o ódio.
A representação do Espírito Santo como sopro de Jesus é símbolo de renovação. Como cantamos na Vigília Pascal, é o que renova a face da terra (Cf. Sl 103). Conforme afirma o Pe. Pagola, “sem o Espírito criador de Jesus, podemos acabar vivendo numa Igreja que se fecha a toda renovação: não é permitido sonhar com grandes novidades; mais certo é uma religião estática e controlada que mude o menos possível” (O Caminho Aberto por Jesus – João, p. 247). O Papa Francisco convida a não temermos rever certos costumes, sem ligação direta ao núcleo do Evangelho, que já não respondem aos novos desafios da evangelização (Cf. Evangelii Gaudium n. 43). Convida a não ter medo de ser uma Igreja em saída, a não ter medo de ferir-se no caminho, de ficar enlameada nas estradas das periferias (Ibidem, n. 49). O único medo que devemos ter é o de nos fecharmos nas estruturas que dão uma falsa proteção (Ibidem, n. 88). Nenhuma porta consegue se manter fechada com o vendaval do Espírito.
Acolhamos com alegria o sopro do Espírito enviado por Jesus. Anunciemos o Evangelho com entusiasmo e façamos com que outros experimentem a alegria desse anúncio. Agradeçamos a Jesus pelo ar divino que respiramos e supliquemos que o Espírito Santo inflame a nossa vida, para estabelecermos novas relações marcadas pelo amor, nos ajudando a construir um mundo melhor. Abramos o coração para que o Espírito habite nele e nos ajude a transformar a face da terra.
Desejo que o Espírito Santo seja sopro de vida na sua história, renove sua esperança, fortaleça sua caminhada e lhe ajude a assumir o seu lugar de serviço na comunidade, colocando os dons que Deus lhe concedeu a serviço de todos, especialmente dos mais fragilizados.
+Dom Jeová Elias Ferreira
Bispo Diocesano