Neste domingo, concluímos o ciclo litúrgico da Páscoa com a Solenidade de Pentecostes, marcada pelo envio do Espírito Santo sobre a Igreja nascente. A palavra “Pentecostes”, de origem grega, significa “quinquagésimo”, remetendo aos cinquenta dias após a Páscoa. Esta celebração tem raízes antigas, inicialmente ligadas à vida agrícola, como uma festa da colheita (cf. Ex 23,16; Nm 28,26; Lv 23,16ss), ocasião em que os agricultores expressavam sua gratidão a Deus pelas primeiras espigas de trigo colhidas, cinquenta dias após o plantio, oferecendo as primícias dos frutos. Posteriormente, Pentecostes passou a comemorar o aniversário da aliança estabelecida com Deus cinquenta dias após a Páscoa (cf. Ex 19,1-15), quando o povo deixou a escravidão no Egito e caminhou rumo à terra prometida. Era um momento de relembrar a Lei recebida, destinada a proteger a dignidade da vida de todos. Nós cristãos, conforme o ensinamento de Lucas na primeira leitura desta Solenidade (cf. At 2,1-11), celebramos o ápice da Páscoa com o derramamento do Espírito Santo sobre os apóstolos, cinquenta dias após a ressurreição de Jesus Cristo. No entanto, para São João, o envio do Espírito Santo ocorre no mesmo dia da ressurreição (cf. v. 19).
Pentecostes é a festa da unidade na diversidade do amor; a celebração da efusão do Espírito Santo, a terceira pessoa da Santíssima Trindade, que por muito tempo foi subestimada por não possuir uma representação humana. Ele era descrito como fogo, brisa, pomba – a imagem mais popular – e ar, como retratado por João: Jesus soprou sobre os apóstolos e disse: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22). A palavra “Espírito”, em hebraico, é “Ruah”, que significa sopro, vento. Em grego, é “Pneuma”, também significando ar. Em latim, é “Spiritus”, como a força vital de Deus. É impossível viver sem ar. A vida só é possível pela ação do Espírito Santo. Ele é a alma da Igreja. A representação do Espírito como ar mostra a impossibilidade da vida sem Ele. É impossível viver sem respirar! O elemento mais essencial para a vida é o ar. O Espírito é o ar que anima nossa vida: sem Ele, não podemos acreditar, viver, amar ou fazer o bem.
O sopro que Jesus insufla sobre os Apóstolos lembra e resgata a criação divina, o vento que soprava sobre as águas, dando vida à obra da criação (cf. Gn 1,2). Lembra também o sopro divino de vida no relato da criação do homem, tornando-o um ser vivente (cf. Gn 2,7). Na nova criação, o Espírito age permitindo que Maria conceba Jesus Cristo, o Filho de Deus (cf. Lc 1,35). Agora, Ele gera a Igreja, renovando a vida e a obra da criação divina. O Espírito Santo é uma força encorajadora para a missão. Jesus nos diz hoje: “Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20,21), e sopra o Espírito. Esse sopro divino enche os apóstolos de audácia para viverem e anunciarem o Evangelho. Eles, que estavam trancados, assustados e temerosos, agora, pelo poder do Espírito Santo, rompem as barreiras e se dirigem para o mundo. Com o sopro do Espírito Santo, símbolo da nova criação humana, Jesus envia os apóstolos como portadores do perdão (cf. v. 23). Eles deverão oferecer o perdão de Deus aos pecadores dispostos, bem como reter os pecados daqueles endurecidos em suas atitudes hostis e na rejeição ao amor oferecido. Contudo, a prática de Jesus Cristo foi de generosidade na oferta do perdão. Ele nunca se recusou a perdoar. Ele é magnânimo em todos os seus gestos e parábolas narradas nos Evangelhos: mesmo ao morrer na cruz, oferece o perdão a um ladrão e aos seus algozes. O perdão de Jesus alcança a todos.
O pedido de Jesus para perdoar desafia-nos nessa cultura tendente à perseguição contra as pessoas consideradas pecadoras, especialmente por serem diferentes. A Campanha da Fraternidade deste ano nos convidou à superação da intolerância, a derrubar os muros de ódio e a construir pontes de união. Convidou-nos à “Fraternidade e Amizade social”, lembrando-nos de que somos todos irmãos e irmãs. Com tristeza, sabemos que há grupos e pessoas que, em nome da pureza da fé, em nome de Deus, nutrem o ódio no coração, agridem quem julgam ter outros valores. Isso contradiz o Evangelho e o ensinamento magisterial do papa Francisco, que nos convida a ser uma Igreja dialogal, que não somente ensina, mas também aprende com o diferente; que não é manipuladora, nem dona da verdade, mas sua servidora. Que “deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam se sentir acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho” (Evangelii Gaudium n. 114).
Desejo que o sopro encorajador do Espírito nos ajude a ser uma Igreja em movimento, como pede o papa Francisco: indo às periferias existenciais e geográficas, ajudando a renovar a esperança dos pobres e reafirmando nosso compromisso com eles. Já somos habitados pelo Espírito Santo, mas para a vida em comunidade, não simplesmente para satisfação pessoal. Do Espírito Santo recebemos a riqueza dos dons para viver em comunidade, para servir, não para caprichos ou vaidades pessoais. Acolhamos com alegria o sopro do Espírito enviado por Jesus e supliquemos que o Espírito Santo inflame nossa vida, estabelecendo novas relações marcadas pelo amor, ajudando-nos a construir um mundo melhor. Abramos nossos corações para que o Espírito neles habite e nos ajude a transformar a face da terra.
Concluo esta reflexão com a oração do papa Francisco ao finalizar a homilia da Solenidade de Pentecostes em 2020, na Basílica de São Pedro: “Espírito Santo, memória de Deus, reavivai em nós a lembrança do dom recebido. Libertai-nos das paralisias do egoísmo e acendei em nós o desejo de servir, de fazer o bem. (…) Vinde, Espírito Santo! Vós que sois harmonia, tornai-nos construtores de unidade; Vós que sempre Vos doais, dai-nos a coragem de sair de nós mesmos, de nos amar e ajudar, para nos tornarmos uma única família. Amém”.
+Dom Jeová Elias
Bispo de Goiás