InícioA Voz do PastorReflexão BíblicaJesus, mestre da justiça, vencedor de toda tentação

Jesus, mestre da justiça, vencedor de toda tentação

Iniciamos na quarta-feira de cinzas o ciclo litúrgico da Páscoa, com o tempo da Quaresma. Para celebrar bem o mistério pascal, nos prepararemos durante 40 dias, tempo em que ressoa aos nossos ouvidos o convite à conversão. A espiritualidade deste tempo litúrgico nos convida a praticar o verdadeiro jejum, a generosa caridade e a alimentar melhor a nossa amizade com Deus pela oração discreta, mas profunda e amorosa. Quaresma é tempo favorável para a conversão, que começa no coração de cada pessoa, mas não se restringe a atitudes individualistas, abrange todo o povo de Deus, comprometido com o seu projeto de vida.  É tempo da certeza do triunfo da vida sobre a morte, e de que Jesus, vencedor da morte, sempre caminha conosco.

No Evangelho deste I domingo da Quaresma, Mateus diz que o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo (v. 4). No deserto, Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites (v. 2). Esse número é simbólico, recorda o tempo que Moisés ficou em jejum na montanha (Cf. Ex 34,28); recorda também o tempo que Elias permaneceu no monte Horeb (Cf. 1Rs 19,8); e, ainda, os quarenta anos que os hebreus peregrinaram no deserto, em busca da terra prometida, sofrendo a tentação de retroceder à escravidão no Egito.    O deserto, mais do que geográfico, é lugar teológico onde podemos ser encontrados e amados por Deus. “É o lugar e o tempo da partilha, da igualdade, em que cada um conta com a solidariedade dos outros, onde não há egoísmo, injustiça, prepotência, apropriação individual dos bens que pertencem a todos e em que todos dão as mãos para superar as dificuldades da caminhada. No deserto, quem é egoísta, autossuficiente e não aceita contar com os outros está condenado à morte” (Texto-base da CF 2023, n. 18).   Como Jesus, devemos ir ao deserto, isto é, abrir espaço no nosso coração, retirar-nos, silenciar mais para ouvir o que o Senhor quer falar-nos. Ao mesmo tempo em que somos encontrados por Deus, igualmente somos tentados no deserto e convidados a superar as tentações.

As três tentações que Jesus sofreu no deserto, após jejuar e sentir fome, destacadas por Mateus, são uma síntese de todas as tentações sofridas por Ele ao longo da sua vida, marcada por conflitos de interesses e por riscos. Os três lugares destacados – deserto, Jerusalém e monte muito alto – manifestam a abrangência das tentações sofridas e a diversidade delas: da abundância, do prestígio e do fascínio pelo poder. Mateus mostra Jesus como o mestre da justiça, vencedor de toda tentação que impede a vinda da justiça do Reino de Deus até nós. Tentação não significa pecado, mas sedução a não ser fiel ao projeto de Deus. O caminho trilhado por Jesus é marcado pela fidelidade radical ao Pai.

Mateus diz que Jesus sentiu fome depois do jejum (v. 2). A fome é um instinto natural de sobrevivência dos seres vivos, presente de Deus para a preservação da vida (Cf. Texto-base da CF 2023, n. 5). Ela precisa ser saciada para manter a vida.  A primeira tentação sofrida por Jesus parte da fome e da sugestão do tentador para que Ele seja o messias da abundância, transformando as pedras em pães para saciar a própria fome. Mas Jesus não procura o seu próprio interesse: o milagre que realizara multiplicando os pães, fora para saciar a fome da multidão. Para Ele, pão somente o necessário e para ser partilhado. Ademais, não é suficiente o pão para viver, “pois não só de pão vive o homem” (v. 4).

Como Jesus, após o jejum no deserto, milhões de seres humanos no nosso país sentem fome. Cerca de 125 milhões de pessoas vivem a insegurança alimentar, isto é, não sabem se terão a próxima refeição. Destas, 33 milhões sofrem a dor da fome (Cf. Texto-base da CF 2023, n. 40). Conforme o papa Francisco, a fome não é só uma tragédia para a humanidade, mas também uma vergonha (Ibidem, n. 6). Ela existe não simplesmente por falta de alimento, mas por causa do egoísmo humano, pela falta de compaixão, pelo desinteresse de muitos e pelo descaso nas políticas públicas internacionais. Preocupada com esse problema angustiante, a Igreja no Brasil, pela terceira vez, propõe como tema da Campanha da Fraternidade ao longo desta Quaresma, “A fraternidade e a fome” e o lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Cf. Mt 14,16). Propõe, como objetivo geral, sensibilizar a todos para o enfrentamento do flagelo da fome. Em comunhão com os nossos bispos, acolhamos a Campanha da Fraternidade.

Ser o messias do prestígio, precipitando-se do ponto mais alto do templo, é a segunda tentação. Porém, Jesus não veio para dar show, chamar a atenção sobre si, mas para dar a vida, missão consumada em Jerusalém. Ele estará no alto, mas pregado na cruz e não dando espetáculo. Na cruz Ele clamará pelo Pai, que o ressuscitará, provando que o seu projeto vence a morte.

Na terceira tentação, Jesus renuncia à falsa oferta do tentador de lhe oferecer poder e glória ao preço de curvar-se aos pés dele em adoração. O poder para Jesus é serviço. Ele se recusa a prostrar-se aos pés do tentador, mas voluntariamente se abaixa para lavar os pés dos apóstolos (Cf. Jo 13,1-17).  A glória somente a Deus pertence e Jesus a alcançará trilhando o caminho da entrega amorosa da sua vida, culminando na cruz e ressureição.

O diabo tenta convencer Jesus usando como argumento a Palavra de Deus, mas propondo um projeto em desacordo com os valores do Reino de Deus. Ele representa os grupos de ontem e de hoje que se utilizam do nome de Deus e da sua Palavra para conquistar o poder e nele se manter, mas defendendo projetos contrapostos ao ensinamento de Jesus.

Mateus conclui a narrativa sobre as tentações dizendo que o diabo se retirou e os anjos se aproximaram de Jesus para servi-lo. Provavelmente para alimentá-lo. A presença dos anjos na Bíblia é sinal de proteção divina. O que Jesus não quis pedir como milagre, Deus o concede em dom, pois cuida de quem se confiou à sua vontade.

Quaresma é tempo de revisão de vida, de correção dos passos, de um sério e profundo exame de consciência. Motivados pelo Evangelho deste domingo, nos perguntemos: Quais tentações enfrentamos no nosso dia a dia? Também estamos conseguindo vencê-las?

+ Dom Jeová Elias

Bispo Diocesano

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Últimas notícias

MEB celebra Dia dos Educadores com encontro em Brasília

spot_imgspot_img