Estamos acompanhando Jesus na sua caminhada a Jerusalém, onde sofrerá a condenação injusta à morte na cruz, mas também ressuscitará. Durante a viagem Ele segue ensinando nos gestos da caminhada: ao andar, ao parar para rezar, quando vai às sinagogas, ao parar para comer. Ele manifesta os valores do Reino de Deus e comprova a sua presença nos sinais realizados (Cf. Lc 13,10-13; 14,1-4).
São Lucas nos diz hoje que, num dia de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus. Parece um acontecimento comum, mas serve de moldura para Jesus compará-lo com os valores do Reino de Deus. Jesus é observado por eles, mas também observa a conduta deles.
Lucas é o único evangelista que apresenta Jesus próximo dos fariseus. Marcos e Mateus os apresentam sempre hostis a Jesus. Esse grupo de judeus era constituído por pessoas que sobressaíam nos ofícios exercidos nas sinagogas e tinham presença marcante nas atividades religiosas dos judeus. A preocupação principal deles era com a pureza da fé judaica e o cumprimento rigoroso do que estabelecia a Torá, o nosso Pentateuco. Agiam de reta intenção, mas descuidavam da misericórdia, desprezavam as pessoas que desconheciam a Lei por causa da vida difícil que viviam e as julgavam pecadoras. Além disso, consideravam-se puros, por se imaginarem fiéis cumpridores dos preceitos da Lei. Certamente eles não estavam incluídos entre os humildes.
O contexto descrito é de uma refeição, no dia de sábado, na casa de uma pessoa importante da sociedade: o chefe dos fariseus. Provavelmente essa refeição era a que costumavam fazer com solenidade, por volta das doze horas, no dia sagrado para os judeus, após a oração na sinagoga e continuando a discussão das leituras escutadas lá. A mesa da refeição era sinal de fraternidade e oportunidade para criar laços de comunhão. Jesus apreciava muito comer com as pessoas e estabelecer laços de fraternidade. Ele não excluía os pecadores da sua companhia, mesmo que fosse julgado mal e incluído no grupo de pecadores por fazer refeição com eles (Cf. Lc 5,29-31). Contudo, à mesa dos fariseus não eram convidadas as pessoas pobres, com deficiências físicas, analfabetas, pois eram consideradas impuras, pecadoras.
A presença de Jesus naquela refeição, onde é observado se desrespeita algum preceito da Lei, a fim de o acusarem, dá-lhe também a oportunidade para observar o comportamento dos convidados e constatar que não está de acordo com os valores do Reino. Ele vê que existe competição pelos primeiros lugares. Já no livro dos Provérbios havia uma admoestação a não buscar ocupar o primeiro lugar e nem se vangloriar na frente do rei (Cf. Pr 25,6-7). A novidade no ensinamento de Jesus é que vai além de uma norma moral ou de etiqueta social. A mesa da refeição prefigura a mesa do Reino, que não leva a marca da competição, mas da fraternidade e comunhão. Na dinâmica do Reino, grande é quem ocupa o último lugar, não para ser promovido humanamente, mas para identificar-se com o próprio Jesus, que na última ceia deu o exemplo vestindo o avental de serviço e retirando-o somente na cruz. Ele, na parábola contada, desafia os convidados a se sentarem no último lugar da mesa, sem pretensão de ocupar o primeiro (v. 10). É a sua primeira mensagem no texto de hoje, dirigida a todos os ouvintes.
A segunda mensagem de Jesus é dirigida a seu anfitrião, que também é desafiado a não convidar a comer na sua casa somente as pessoas importantes e que possam retribuir-lhe o convite. Ele deve convidar os descartados da sociedade, aqueles que são privados dos meios necessários para viverem dignamente: os pobres, as pessoas com diversas deficiências, vistas como impuras e privadas de participar até mesmo no templo (Cf. 2Sm 5,8; Lv 21,18-23). Essa proposta era revolucionária e impensável para os fariseus. Na mesa deles essas pessoas jamais sentariam! Jesus ensina que o banquete do Reino não tem preço, não pode ser comprado, é dom de Deus, oferecido gratuitamente a todos e todas.
Vivemos numa sociedade profundamente competitiva pelos primeiros lugares, em que poucos são considerados vitoriosos e muitos são derrotados, forçados a ocupar os últimos lugares, ou mesmo excluídos da mesa. Não há lugar para eles nos banquetes, a não ser servindo os comensais. Muitas vezes são invisíveis aos olhos das autoridades, como se não existissem. Somente são enxergados em períodos eleitorais, geralmente com segundas intenções e táticas demagógicas.
A mesa do Reino anunciado por Jesus não é piramidal, é circular. Nela cabem todos os filhos e filhas de Deus, pois todos têm igual dignidade e são amados por Deus. Ela é diferente da mesa do banquete do chefe dos fariseus, porque todos são bem-vindos e felizes são os convidados ao banquete nupcial do cordeiro. Também é anúncio do banquete celeste (Cf. Bíblia do Peregrino NT, nota em Lc 14,1). Essa mesa é antecipada na Eucaristia, cume da nossa vida sacramental, que “não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (Evangelli Gaudium, n. 47). O mundo competitivo valoriza os perfeitos, os primeiros colocados, os vitoriosos. Jesus se faz último e valoriza os últimos. Para Ele, felizes são os pobres e aqueles sensíveis às suas necessidades (Cf. Lc 6,20; 14,14).
Neste último domingo de agosto rezamos pelos leigos e leigas, especialmente pelas pessoas que exercem o serviço como catequistas. Os leigos e, particularmente, as leigas são a grande maioria do povo de Deus. A Igreja deve valorizar a sua participação, porque todos os seus membros têm igual dignidade e corresponsabilidade. O papa Francisco tem advertido reiteradamente contra o risco do carreirismo e do clericalismo na nossa Igreja: o perigo de alguns se julgarem superiores aos outros e mais importantes, e a competição pelos lugares que consideram de honra maior. Todos, ordenados, religiosos e leigos, temos igual importância na Igreja. Todos devemos assumir o nosso lugar de serviço e também devemos ser ouvidos, conforme nos convoca o papa a uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão. Os leigos não são empregados dos padres, são membros da comunidade e não devem ser meros cumpridores de ordens superiores, mas protagonistas da evangelização. Na comunidade tem lugar de serviço para todos e todas. O papa Francisco constata um certo desânimo de muitas pessoas em assumir alguma tarefa apostólica e que tirem parte do seu tempo livre, talvez em vista de frustrações com projetos não realizados, ou por vaidade, ou por pressa no resultado do trabalho. A essas pessoas o papa convida a recobrarem o ânimo e a não deixarmos que nos roubem a alegria da evangelização! (Cf. Evangelli Gaudium, n. 81-83). Nossa gratidão a todas as pessoas leigas que servem com generosidade nas diversas comunidades da nossa Diocese e testemunham com amor os valores do Reino de Deus, na fidelidade à nossa opção fundamental. Sejam felizes servindo e recebam a recompensa na ressurreição dos justos (Cf. v. 14).
+ Dom Jeová Elias Ferreira
Bispo Diocesano