O texto do Evangelho deste domingo ocupa o final da missão de Jesus na Galileia. A partir daí, conforme Lucas, Jesus empreende uma grande viagem a Jerusalém, onde será morto e ressuscitará. Nós acompanharemos essa viagem a partir do próximo domingo, o 13º do Tempo Comum, que se estenderá por 10 capítulos, até o 31º domingo. Ao longo dessa viagem, Jesus vai ensinando e realizando sinais que manifestam os valores do Reino de Deus.
Lucas apresenta Jesus em oração, num lugar retirado, acompanhado dos seus discípulos (v. 18). As grandes decisões de Jesus, para Lucas, são antecedidas pela oração. Ele insere o diálogo entre Jesus e os seus discípulos durante a oração, com isto, destacando a importância do momento. A pergunta dirigida por Jesus já tinha sido feita pelos discípulos: “Quem é este homem? ” (Lc 8,25). Havia essa curiosidade no povo e também em algumas autoridades (Cf. Lc 9,7-9). Agora o próprio Jesus pergunta. Num primeiro momento, aos discípulos: “Quem diz o povo que eu sou? ” (v. 18). Depois, Jesus pergunta a própria opinião do seu grupo: “E vós, quem dizeis que eu sou? “ (v. 20). As respostas dadas vão clareando progressivamente o entendimento sobre a pessoa de Jesus: para o povo, Ele é um profeta; para os discípulos, na resposta de Pedro, “o Cristo de Deus” (v. 20). Por fim, Jesus mesmo se refere como “o Filho do Homem” que deverá sofrer, ser rejeitado, morto e ressuscitado (v. 22). Há uma progressão na compreensão manifestada: Profeta, Cristo, Filho do Homem.
Quando o menino Jesus foi apresentado ao templo por seus pais, o velho Simeão profetizou que Ele seria sinal de contradição, motivo de queda e de elevação para muitos em Israel (Cf. Lc 2,34). Folheando os Evangelhos, encontramos opiniões muito díspares acerca de Jesus. Os ricos, representados pelos anciãos, sumos sacerdotes e doutores da Lei, não o veem bem. Para eles, Jesus é um beberrão, amigo dos pecadores, alguém que se mistura com pessoas ruins, um subversivo… Os mais sofridos, que têm abertura de coração, o veem com bons olhos: alguém que fala com sabedoria; um grande profeta; Deus que veio visitar o seu povo; e o Cristo de Deus, conforme a resposta dada por Pedro hoje (v. 20).
A intenção de Jesus, com sua pergunta, não é saber o que pensam sobre Ele – porque isso não terá importância na sua coerência entre o falar e o agir – mas provocar os seus discípulos a se definirem diante dele: “E para vocês, quem sou Eu?” Para Jesus, interessa a posição dos seus discípulos, que precisam se comprometer com o projeto de vida proposto por Ele. É uma questão vital para os discípulos de Jesus Cristo, pois não poderão segui-lo de maneira inconsciente e superficial. Pedro, em nome do grupo, responde com a palavra correta – “tu és o Messias” – mas com uma compreensão equivocada sobre o messianismo de Jesus. Sua confissão é limitada. Os discípulos ainda não têm noção do mistério da cruz e nem imaginam o que seria a ressurreição. Por isso Jesus os proíbe de divulgar que Ele era o Messias. A expectativa do povo judeu era de um Messias poderoso e triunfalista; alguém que iria derrotar os seus inimigos pela força das armas. Jesus é desprovido desses atributos: é humilde, é amigo dos humildes, é pobre, é incompreendido, é acusado e condenado, é crucificado injustamente. Essas coisas eram inadmissíveis para o Messias esperado. O messianismo dele contém a marca do conflito com os poderes que o levarão à morte: o poder econômico, representado pelos anciãos; o poder religioso e político, representado pelos sacerdotes; e o poder do conhecimento, representado pelos doutores da Lei, considerados “mestres da verdade”. Os ideais defendidos por Jesus contrastam com os interesses destes três segmentos que compõem o Sinédrio, tribunal que condenará Jesus à pena capital.
Aos que afirmam que Jesus é o messias, são apresentadas três condições para o seu seguimento: renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz diariamente, e segui-lo.
Negar-se a si mesmo é reconhecer o absoluto de Deus; é acolher Jesus como fundamento do pensar e do agir; é deixar de ser o centro e colocar como mais importante a pessoa dele e o seu projeto. Renunciar a si mesmo não é anular-se como pessoa, mas despojar-se das ambições pessoais.
Tomar a cruz é assumir as consequências do abraçar o projeto de Jesus Cristo, que contrariava alguns grupos por priorizar os mais pobres, os mais sofridos, os pecadores, os doentes, os rejeitados. Que contestava uma sociedade estabelecida em classes, com a marca do preconceito e desrespeito pelos mais sofridos. O papa Francisco diz que a fé sempre conserva algo de cruz, certa incerteza que não retira a firmeza à sua adesão (Cf. Evangelii Gaudium n. 42). A cruz deve ser assumida no cotidiano, não somente nas grandes dificuldades da vida. Para alguns cristãos, é constrangedora a cruz de Cristo. Como advertia São Paulo aos Filipenses, também hoje há muitos inimigos da cruz de Cristo (Cf. Fl 3,18). Conforme o papa Francisco, “o triunfo do cristão é sempre uma cruz, mas cruz que é, simultaneamente, estandarte de vitória, que se empunha com ternura batalhadora contra as investidas do mal” (Evangelii Gaudium n. 85).
Seguir Jesus é percorrer o caminho que Ele trilhou, assumir as opções que Ele assumiu, com as suas consequências, inclusive indo com Ele até à morte e morte de cruz, para também com Ele ressuscitar e triunfar.
A pergunta de Jesus perpassa a história e se atualiza: “quem é Jesus para nós? ” A resposta não deve ser conceitual, aprendida do catecismo, mas precisa envolver a nossa vida. Não começamos a ser cristãos por uma decisão ética, ou por uma grande ideia, mas pelo encantamento com a pessoa de Jesus Cristo, que dá novo sentido à nossa vida (Cf. Bento XVI, Deus Caritas est, n. 01). Como outrora, as respostas atuais, assim como as práticas, também são cheias de contradições. Muitos, que se dizem cristãos, criaram um Jesus Cristo à sua imagem e semelhança. Não seguem o Cristo apresentado pelos Evangelhos. Quem defende valores contrários aos que Ele defendeu, não é digno de segui-lo.
Para você, quem é Jesus Cristo? Que sentido Ele tem na sua vida? Que lugar Ele ocupa na sua história? Quais são as suas expectativas em relação a Ele? Desejo que Ele ocupe o primeiro lugar na sua vida. Que as suas relações sejam marcadas pelo ensinamento e exemplo dados por Jesus.
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano