Continuamos acompanhando Jesus na sua longa viagem teológica a Jerusalém. Hoje, Jesus é acolhido por duas irmãs na casa delas, ao contrário do que acontecera no início da sua viagem, quando os samaritanos recusaram acolhê-lo. Ao longo do caminho, Jesus experimenta acolhimento e rejeição. Durante a viagem, Jesus ensina aos seus discípulos o projeto do Pai e os prepara para testemunharem os valores do Reino. As duas mulheres anfitriãs provavelmente são as mesmas Marta e Maria, irmãs de Lázaro, conforme o capítulo 11 do Evangelho de João. Neste caso, o povoado é Betânia, distante cerca de 3 km de Jerusalém. O acontecimento é descrito somente pelo evangelista Lucas.
As duas irmãs que recebem Jesus representam dois modos de se comprometer, duas formas igualmente importantes de acolher. O texto narra a escuta atenta de Maria e o serviço generoso de Marta. Não deve ser lido como uma contraposição entre ação e contemplação. Os dois modos, a escuta e o serviço, não são opostos, mas complementares: a escuta é importante e o serviço é necessário. A escuta anima para o serviço, e o serviço encontra a sua razão na escuta.
Lucas diz que Maria sentou-se aos pés de Jesus e o escutava, enquanto Marta estava ocupada com muitos afazeres. O tema da escuta é muito importante para esse evangelista. Mas a escuta entendida não como passatempo, ou como enriquecimento cultural, e sim como uma etapa para o comprometimento: é feliz quem escuta a palavra para pô-la em prática (Cf. Lc 11,28). A atitude de sentar-se para escutar era própria dos discípulos, privilégio restrito somente aos homens, que escolhiam seus mestres. Maria se coloca como discípula aos pés de Jesus, que lhe ensina, não a rejeita. Ele ignora a regra de então: acolhe uma mulher como sua discípula. Desde o início do seu Evangelho, Lucas apresentou uma mulher como modelo de discípula de Jesus: Maria, sua mãe, que ouviu a palavra de Deus, guardou-a em seu coração e a cumpriu. Como a mãe de Jesus, a irmã de Marta também deverá fazer: ouvir, guardar no coração e praticar a palavra de Jesus.
Enquanto Maria escuta Jesus, Marta está ocupada com muitos afazeres. Ela reclama a Jesus: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela venha me ajudar!” (v. 40). Jesus lhe responde, valorizando sua queixa, ao repetir seu nome com carinho, mas recomenda que ela não se agite tanto. Destaca que sua irmã escolheu a melhor parte: escutá-lo. Jesus valoriza o que Marta está fazendo, reconhece que é uma forma de acolhê-lo bem, mas não deseja vê-la somente absorvida pelas tarefas domésticas. Conforme o Pe. Pagola, “a mulher não deve ficar reduzida às tarefas do lar. Ela tem o direito de ‘sentar-se’ como os varões, para escutar a palavra de Deus. Jesus não quer ver as mulheres só trabalhando. Quer vê-las sentadas. Por isso, acolhe-as em seu grupo como discípulas, no mesmo plano e com os mesmos direitos que os varões” (O Caminho Aberto por Jesus – Lucas, p. 189).
As atitudes dessas duas mulheres, Maria e Marta, nos ensinam, como seguidores de Jesus, a lição da escuta, do serviço e do acolhimento. Na agitação das tarefas a serem executadas, no turbilhão de preocupações, aprendemos com Maria que é necessário tirar um tempinho para nos sentar aos pés de Jesus, para escutá-lo com atenção e amor. Mas, depois devemos nos levantar e, como Marta, pôr a mão na massa, pôr em prática o que aprendemos da boca de Jesus. A nossa fé cristã, seguindo a tradição judaica, valoriza muito a escuta. Israel é convidado a escutar, como cotidianamente repete no Shemá: Ouve, ó Israel, Javé é o nosso único Deus (Cf. Dt 6,4). Jesus também nos convida a escutá-lo: “Quem tem ouvidos, ouça” (Mt 13,9). Nosso Deus escuta o grito do seu povo, é sensível à sua dor e age para libertá-lo do sofrimento (Cf. Gn 3,7-8). Ele não cansa de ensinar seu povo. Jesus também tem muito a nos dizer (Cf. Jo 16,12). Ele sempre escuta com atenção as pessoas que lhe dirigem a palavra, sobretudo aquelas marcadas por tantas aflições; age para sanar suas dores e libertá-las dos seus sofrimentos. Certamente, o gesto generoso de Marta ao colocar-se a serviço, está em sintonia com o gesto de Jesus que toma uma jarra e uma bacia e se abaixa para lavar os pés dos seus discípulos.
Ao falar sobre o Anúncio do Evangelho, o Papa Francisco diz que quem o anuncia deve, antes, ser alguém que escuta a Palavra e que escuta também o povo. Deve saber escutar o que Deus tem a dizer nos acontecimentos da história (Cf. Evangelii Gaudium, n. 154). Diz ainda que “precisamos nos exercitar na arte de escutar, que é mais do que ouvir. Escutar, na comunicação com o outro, é a capacidade do coração que torna possível a proximidade, sem a qual não existe um verdadeiro encontro espiritual (…). Só a partir da escuta respeitosa e compassiva é que se pode encontrar os caminhos para um crescimento genuíno, despertar o desejo do ideal cristão, o anseio de corresponder plenamente ao amor de Deus e a vontade de desenvolver o melhor do que Deus semeou na nossa vida” (Ibidem, n. 171).
A hospitalidade é outra lição do texto de hoje. É a capacidade de acolher as pessoas com solicitude e generosidade. É tratar quem vem ao nosso encontro com amor. O povo de Israel deve recordar sempre seu sofrimento como estrangeiro escravizado e não permitir que outros sejam maltratados. Deve acolher quem vem ao seu encontro com amor. Na primeira leitura de hoje há um belo exemplo de hospitalidade do povo de Israel: Abraão, que acolhe e serve com generosidade, oferecendo o melhor que possui para os três homens que o visitam, símbolo da presença do próprio Deus.
Desejo que você tenha a alegria de receber boa acolhida por onde for. Que também experimente a alegria de acolher com generosidade e amor as pessoas que forem ao seu encontro, vendo a imagem de Cristo em cada uma delas. Que elas saiam melhores depois de encontrar você. Acolher bem é evangelizar.
Receba o meu abraço fraterno, com os votos de um domingo abençoado e de uma semana feliz.
Desça sobre você e sua família a bênção de Deus misericordioso: Pai, Filho e Espírito Santo.
+Dom Jeová Elias Ferreira
Bispo Diocesano