InícioA Voz do PastorReflexão BíblicaA verdadeira oração é expressão do nosso amor

A verdadeira oração é expressão do nosso amor

Neste domingo Jesus conta a parábola dos dois homens que vão ao templo para rezar, dirigida àqueles que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros. Um deles é fariseu e o outro, publicano. O texto se encontra somente no Evangelho de Lucas, inserido na caminhada de Jesus a Jerusalém. A intenção do evangelista é mostrar qual o autêntico relacionamento com Deus que a religião deve ajudar a construir.

Os “fariseus”, palavra que significa separados, pertenciam a um dos grupos religiosos mais importantes do tempo de Jesus. Eram intransigentes defensores da Torah (o nosso Pentateuco), na forma escrita, e também nas tradições orais derivadas da Lei de Moisés. Eles se esforçavam em cumprir escrupulosamente os seus preceitos no cotidiano, bem como em ensinar ao povo. Pensavam que pelo conhecimento seria possível alcançar a santificação. Poderíamos chamá-los de grupo fundamentalista, criticado diversas vezes por Jesus. Julgavam os que não detinham o conhecimento da Lei com desprezo e se vangloriavam por possuírem tal conhecimento.

Os “publicanos” pertenciam ao grupo dos cobradores de impostos; estavam a serviço dos dominadores romanos e tinham a fama de serem desonestos. Eram detestados pelo povo porque cobravam impostos para os romanos e enriqueciam de modo imoral. Caso algum fariseu aceitasse o encargo de publicano, imediatamente era expulso da sua comunidade farisaica. Os publicanos eram privados de alguns direitos cívicos, políticos e religiosos. Não podiam ser juízes, nem mesmo testemunhas num tribunal. Por serem considerados impuros de modo permanente, não podiam sequer fazer penitência porque desconheciam todos os que tinham sido defraudados para a reparação[1].

A parábola contrapõe os personagens que se dirigem ao templo para rezar. Os dois iniciam a oração invocando a Deus, mas no conteúdo está a manifestação do quão diferentes são. Há um enorme contraste no comportamento deles, na ideia de religião, no modo de orar e na compreensão de Deus. Pelas qualidades pessoais enumeradas pelo fariseu, parece que ele é o certo. Ele se considera santo. Mas a conclusão de Jesus é desconcertante: quem saiu justificado foi o publicano.

Lucas descreve as características dos dois personagens e o conteúdo da oração que elevam a Deus. O fariseu estava de pé, se dirige a Deus com altivez, no seu íntimo agradece a Deus por não ser como os outros homens: ladrões, desonestos, adúlteros; nem como o cobrador de impostos (v. 12). Destaca ainda o que faz escrupulosamente: jejua duas vezes por semana, quando a Lei prescrevia apenas um jejum por ano, e paga o dízimo de todos os seus rendimentos – mesmo dos que eram isentos. A oração dele é arrogante, agressiva e acusatória dos outros. Ele é um narcisista espiritual, isto é, se julga melhor do que as outras pessoas, quer ser admirado por suas qualidades, não tem empatia pelos que julga inferiores.

O publicano, ao contrário do outro, fica à distância, não ousa elevar os olhos ao céu, bate no peito e suplica a piedade divina: “Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador! ” (v. 13). O fariseu não tem nada a pedir, se julga fiel cumpridor da Lei e merecedor da benevolência divina. Na vida dele não há espaço para a graça divina. A relação com Deus não é marcada pela gratuidade do amor, mas pela frieza da Lei. Ele nunca rezaria o Pai-nosso, oração ensinada por Jesus aos seus discípulos. O publicano não tem coragem de elevar os olhos ao céu, reconhece sua condição de pecador e que humanamente vive uma situação difícil. Ele simplesmente pede piedade. Ele mergulha no mistério da misericórdia divina, que não deseja a morte do pecador, mas que se converta e viva (Cf. Ez 18,23; Lc 15,7; Jo 8,11).

O papa Francisco, na Exortação Apostólica sobre a santidade no mundo atual, chama a atenção para duas falsificações da santidade: o gnosticismo e o pelagianismo; duas heresias dos primeiros séculos do cristianismo que se apresentam atualmente com nova roupagem. O gnosticismo fixa-se no conhecimento acumulado, julga os outros por esse atributo, é movido pelas ideias e abstrações; os que seguem essa corrente são incapazes de tocar a carne sofredora de Cristo nos outros (Gaudete et Exsultate n. 37). O papa afirma que não podemos “pretender definir onde Deus não se encontra, porque Ele está misteriosamente presente na vida de toda a pessoa, na vida de cada um como Ele quer, e não podemos negá-lo com nossas supostas certezas” (n. 43). Citando São Boaventura, Francisco afirma que a verdadeira sabedoria cristã nunca está desligada da misericórdia (n. 46). A outra heresia, o pelagianismo, consiste na confiança colocada nas próprias forças e no sentir-se superior aos outros por cumprir determinadas normas ou por se julgar fiel a um estilo de fé (Evangelii Gaudium n. 94). Francisco afirma que “nenhum ser humano pode exigir, merecer ou comprar o dom da graça divina, e que toda cooperação com ela é dom prévio da mesma graça: ‘até o desejo de ser puro se realiza em nós por infusão do Espírito Santo e com sua ação sobre nós’ ” (Gaudete et Exsultate n. 53). Parece que naquele fariseu estavam presentes essas duas falsificações de santidade: a arrogância intelectual do conhecimento da Lei e o julgar-se demasiadamente virtuoso e superior aos outros pecadores.

Ao falar sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, na Evangelii Gaudium, o papa Francisco adverte quanto ao mundanismo espiritual que se esconde numa fé de conhecimento e aparência, do gnosticismo atual; e quanto ao novo pelagianismo dos que confiam somente nas próprias forças e se sentem superiores aos outros por se julgarem cumpridores de determinadas normas ou por serem irredutivelmente fieis a um certo estilo católico do passado (n. 94).

A verdadeira oração deve ser expressão do nosso amor a Deus e aos irmãos. Infelizmente, algumas pessoas usam desse expediente para atacar os diferentes, para destilar ódio. Chocou-nos a oração de um pastor pedindo a morte do ator Paulo Gustavo, que agonizava, vítima da Covid-19. Também batemos no peito e pedimos perdão pelas vezes que rezamos, na sexta-feira santa, antigamente, pela conversão dos pérfidos judeus. Mais triste ainda é identificar sites que se dizem católicos defendendo essa prece e atacando a renovação da Igreja com o Concílio Vaticano II. Há grupos se dizendo católicos, “defensores da ortodoxia”, que atacam o papa, as conferências episcopais, as orientações do Concílio Vaticano II… alguns desses grupos são movidos por puro preconceito, por ideologias e desprovidos de conhecimento eclesiológico profundo. Francisco afirma que lhe “dói muito comprovar como em algumas comunidades cristãs, e mesmo entre pessoas consagradas, se dá espaço a várias formas de ódio, divisão, calúnia, difamação, vingança, ciúme, a desejos de impor as próprias ideias a todo o custo e até perseguições que parecem uma implacável caça às bruxas. Quem queremos evangelizar com estes comportamentos? ” (Evangelii Gaudium, n. 100).

Que a nossa oração expresse o nosso desejo de amar a Deus, o reconhecimento da nossa pequenez, a confiança na misericórdia divina e manifeste também o nosso amor aos irmãos, especialmente os que sofrem.

+Dom Jeová Elias

Bispo Diocesano

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