Esta é uma das saudações iniciais da Missa. Com ela manifestamos a nossa fé na Santíssima Trindade, que neste domingo celebramos como a festa da comunidade. Sempre que nos reunimos, movidos pela fé, invocamos e somos acompanhados por Deus, comunidade de pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Um único Deus, mas três pessoas distintas. Um Deus que é comunhão e não isolamento ou solidão. Esse é um mistério importante da fé cristã, revelado por Jesus Cristo, que pode ser acessado pela nossa razão, mas não alcançada totalmente a sua compreensão, pois a Trindade é infinita e eterna, enquanto o nosso entendimento é limitado e temporal. Mistério não é sinal de oculto, de algo impossível de ser captado pela inteligência humana. Mais do que um mistério para ser acolhido pela fé, é uma verdade a ser praticada, um caminho a ser percorrido, um modelo a ser buscado nas nossas relações humanas (Cf. Tolentino, A Mística do Instante, p. 52).
Nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus (Cf. Gn 1,26), mas de um Deus comunhão, um Deus que é relação e não isolamento, porque é amor, e o amor não pode se isolar, não pode ser contido, deve ser comunicado. Para ser verdadeiro, o amor deve tornar-se trino, não pode ser reduzido a dois, deve ultrapassar a fronteira do eu e você (Cf. Tolentino, A Mística do Instante, p. 53). Pelo sacramento do batismo, o primeiro que recebemos, fomos mergulhados na Santíssima Trindade, batizados “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”. Devemos viver o amor além do dual, na vida comunitária.
O modelo da Santíssima Trindade é um modelo de integração, é modelo de comunhão. A Trindade é fonte de inspiração para os cristãos: Cada uma das pessoas é diferente: o Pai não é o filho; o Filho não é o Pai; o Espírito Santo não é o pai e tampouco é o Fiz lho. Mas entre as três pessoas não há dominação a partir de um polo: há reciprocidade, aceitação e doação. As três pessoas são diferentes, mas nenhuma é maior ou menor, antes ou depois; todas são iguais. Assim também somos convidados a construir relações igualitárias, respeitosos com as diferenças pessoais e grupais, a colaborar com os nossos dons na construção de um mundo melhor. Não somos melhores nem piores do que os outros: somos diferentes, mas nossas diferenças não nos tornam inimigos, devem nos ajudar a construir o bem comum. O Espírito nos cumula de dons para edificação do bem de todos.
A celebração da Solenidade da Santíssima Trindade nos ensina a viver a unidade na diversidade. Somos bilhões de seres humanos, mas cada pessoa tem as suas particularidades, não há duas pessoas iguais. Também temos muitas semelhanças e interesses comuns. O papa Francisco vê as diferenças não somente como uma riqueza, mas como necessárias. A uniformidade anula a pessoa e a torna autômata. Diante do risco da tensão entre os diferentes, o papa exorta ao diálogo e adverte que o diálogo não consiste em tirar proveito particular, em ganhar sozinho, mas em fazer com que todos sejam ganhadores[1]. A cultura globalizada tende a uniformizar, a levar aos mesmos usos, costumes, tendências. A impor um único jeito de ser, de pensar e de consumir. Quem é diferente, que não se encaixa no modelo proposto, muitas vezes é mal visto, e desejam que seja eliminado. A Trindade ensina a partilhar, a somar forças, a interagir, a integrar, a viver a plenitude do amor. Como afirma o Documento de Aparecida: “No Deus Trindade a diversidade de pessoas não gera violência e conflito; ao contrário, é a fonte mesma do amor e da vida” (n. 543)
O evangelista João, apresenta uma pequena parte do longo discurso de despedida de Jesus, que afirma ter ainda muitas coisas a dizer, mas os seus discípulos não são capazes de compreender naquele momento (v. 12). Jesus tem o que dizer, muitas coisas a nos falar; quer nos ensinar, Ele é o comunicador do Pai que traz palavras de esperança e vida, mas questionadoras do que impede a vida do seu povo. Nós temos limites para entender a sua mensagem. Por isso, Ele enviará o Espírito da verdade que irá destruir a mentira e clarear o seu ensinamento. O Espírito Santo atualizará a sua mensagem, que é a mensagem do Pai.
Jesus fala também da unidade entre as três pessoas e do pertencer umas às outras: o que é do Pai, também é do Filho; e o que é do Filho, igualmente pertence ao Espírito Santo (vv. 15-16). Entre as três pessoas sagradas não há propriedade particular, a não ser aquilo que é próprio e exclusivo de cada uma e, por isso, incomunicável: no Pai a paternidade, no Filho a filiação e no Espírito Santo o fluir do Pai e do Filho (Cf. Boff, A Trindade e a Sociedade, p. 120).
A Trindade deve ser fonte inspiradora da nossa fé; deve nos ajudar a descobrir a nossa própria identidade, que só é possível superando o olhar narcisista, sobre si mesmo. Na relação com os outros, descubro-me como pessoa humana. O meu eu é confirmado na relação com o tu. Deve também nos ajudar na nossa oração, que se dirige a três pessoas: ao Pai, com carinho filial, conduzidos pelo Filho e o Espírito; ao Filho, com afeto fraterno, como amigos; ao Espírito como enviado do Pai e do Filho, que habita no nosso coração e nos inspira a dizer “Aba Pai” (Gl 4,6). Deve, ainda, nos unir em meio à diversidade e ajudar a ser ponte entre mundos separados.
Na conclusão da sua catequese sobre a oração como relação com a Santíssima Trindade, o Papa Francisco, após destacar que nunca há um cristão idêntico ao outro, diz: “o único Deus, Trindade de Amor, faz florescer a variedade das testemunhas: todas iguais em dignidade, mas também únicas na beleza que o Espírito quis conferir a cada um daqueles a quem a misericórdia de Deus tornou seus filhos. Não esqueçamos, o Espírito está presente em nós. Ouçamos o Espírito, chamemos o Espírito – é o dom, o dom que Deus nos deu – e digamos-lhe: ‘Espírito Santo, não sei como é o teu rosto – não o sabemos – mas sei que és a força, és a luz, és capaz de me fazer ir em frente e de me ensinar a rezar. Vem Espírito Santo’. Esta é uma bonita oração, ‘Vem, Espírito Santo’ ”[2].
Que a Solenidade da Santíssima Trindade nos motive a viver a beleza da vida em comunidade, a aceitar o outro com seus valores e com suas diferenças, e a entrelaçar as mãos com os outros para construir um mundo bonito, desejado pelo Pai, defendido por Jesus e fecundado com a graça do Espírito Santo.
+Dom Jeová Elias Ferreira
Bispo Diocesano
[1] Vaticano, Encontro do papa com a sociedade civil no Paraguai, Consultada 01/09/2018. http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/july/documents/papa-francesco_20150711_paraguay-societa-civile.html.