InícioA Voz do PastorReflexão BíblicaA religião que agrada a Deus é a do amor

A religião que agrada a Deus é a do amor

Continuamos, neste sétimo domingo do tempo comum, ouvindo o texto do “sermão da montanha”, conforme Mateus. Domingo passado, o evangelista buscou responder ao questionamento dos cristãos, provenientes do judaísmo, se deveriam seguir a Lei de Moisés e que novidade Jesus trazia. A resposta dada era que Jesus não veio abolir a Lei e os profetas, mas dar-lhes pleno cumprimento. Os seguidores de Jesus devem ir além da letra fria da Lei: devem viver o espírito da Lei, que visa defender a beleza da vida, especialmente das pessoas mais frágeis. Seis antíteses foram levantadas por Jesus, mostrando a Lei antiga e a novidade proposta. Ouvimos quatro no domingo passado, e hoje as duas restantes.

A quinta antítese, primeira do Evangelho deste domingo, trata da chamada “lei do talião”, do “olho por olho e dente por dente” (v. 38), que vigorou entre os povos do antigo oriente. O famoso código de Hammurabi, do século XVIII a. C., determinava: “se alguém arranca um olho de outro, também seu olho será arrancado; se alguém quebra um membro de outro, também um de seus membros será quebrado; se alguém quebra um dente de outro, um de seus dentes também será quebrado” (In Lancellotti, Angelo, Comentário ao Evangelho de Mateus, pp 69-70). A Lei de Moisés acolheu essas determinações (Cf. Ex 21,24; Lv 24,20; Dt 19,21). Quando fora proposta, a intenção era coibir a espiral de violência, a vingança brutal, mas com uma punição equivalente. A violência era combatida também com violência. A proposta de Jesus é bem diferente: o mal não se combate com o mal, mas com o bem. Ele não se contenta em limitar o uso da força para se vingar, mas quer exterminar completamente a violência nas relações humanas, com a força do amor.

Mateus escreveu seu Evangelho em tempo de duras perseguições, por isso sua exortação a não responder com a mesma moeda. O discípulo de Jesus não pode se vingar de quem lhe faz o mal, ele deve distinguir-se pelo amor. O Evangelho destaca três tipos de violências, exercidas à época, que poderiam vitimar os cristãos, com o convite a não revidarem e a serem mais resilientes:  a bofetada na face direita, dada com as costas da mão para machucar mais; a penhora da túnica nos processos judiciais; e o abuso dos soldados que obrigavam as pessoas a transportar cargas e a acompanhá-los durante algum percurso nos caminhos que não conheciam (vv. 39-41). Por fim, Jesus propõe um ato de generosidade emprestando a quem necessitar, certamente sem a cobrança de juros de acordo com a Lei (v 42 e cf. Ex 22,24). O convite de Jesus a não revidar pode parecer um estímulo a não lutar pela justiça, mas trata-se de uma estratégia diferente que os pobres devem usar na sua resistência contra as injustiças, vencendo-as por dentro. “Os pobres nunca vencerão ao empregar as mesmas armas dos violentos” (José Bortolini, Roteiros Homiléticos, Anos A, B, C, p. 152).

Na sexta antítese, a nossa segunda, Jesus recorda o antigo preceito a amar o próximo e odiar o inimigo e contrapõe com a convite a amar os inimigos e a rezar pelos próprios perseguidores (vv. 43-44). O conceito de próximo, para o judeu de então, referia-se às pessoas que pertenciam ao seu grupo. Quanto à orientação para odiar os inimigos, não provém de texto bíblico, mas provavelmente da regra de vida da comunidade dos monges de Qumran, que viviam no deserto. Ademais, o sentido de odiar, em vista da dificuldade de tradução, é diferente, significa não amar ou amar menos. O convite de Jesus a amar os inimigos é um dos pontos altos do Evangelho. Esse amor não exige reciprocidade, como o amor do casal e o amor entre amigos. É um amor gratuito, que envolve compreensão, benevolência e ajuda. Jesus não está propondo um sentimento de afeto e carinho pelo inimigo, nem uma paixão por ele, mas um interesse positivo pelo seu bem. Conforme o Pe. Pagola, “quem é humano até o fim descobre e respeita a dignidade humana do inimigo, por mais desfigurada que possa parecer diante dos nossos olhos. Não adota diante dele uma atitude excludente de maldição, mas uma atitude de interesse real por seu bem. (…) Amar os inimigos não significa tolerar as injustiças e retirar-se comodamente da luta contra o mal. O que Jesus viu com clareza é que não se luta contra o mal quando se destrói as pessoas. Deve-se combater o mal, mas sem buscar a destruição do adversário” (O Caminho aberto por Jesus – Mateus, p. 80 e 82).

A razão para amar os inimigos reside na filiação divina, porque o Pai do céu é bondoso para com todos, faz nascer o sol sobre maus e bons e faz cair a chuva sobre justos e injustos (v 45). O filho deve buscar imitar o Pai no seu amor por todos. Outra razão é superar os pagãos e cobradores de impostos, que vivem o amor recíproco. Os discípulos de Jesus devem amar além dos seus círculos de amizade. Parece muito difícil, mas Jesus não ficou apenas nas palavras, rezou pelos seus algozes e perdoou aqueles que o crucificavam (Cf. Lc 23,24).

Vivemos tempos difíceis no nosso país, onde muitas pessoas, mesmo se dizendo cristãs, são intolerantes contra o diferente, tido como inimigo por não partilhar as mesmas ideias, os mesmos valores, a mesma fé, a mesma opção político-partidária… Essa intolerância tem-se traduzido em perseguição, agressão física, calúnias e difamações pelas mídias sociais, e até mesmo assassinatos cruéis. Infelizmente, essas atitudes são alimentadas, em grande parte, por autoridades públicas. O ódio dirige-se não somente ao que erra, mas ao adversário, julgado como inimigo. Lamentavelmente, algumas vezes os discursos odiosos são feitos em nome de Deus, da religião, da pátria e da família.

A religião que agrada a Deus é a do amor. É incompatível com o ensinamento de Jesus, manifestado nas palavras e comprovado com a vida, o sentimento e as atitudes de ódio contra as pessoas que julgamos erradas. Quem vive com o coração cheio de ódio está desperdiçando e arruinando sua própria vida, destruindo a vida dos outros e construindo sua condenação eterna. Como dizia dom Helder Camara, “nada pesa mais do que o ódio no coração. Delicadeza não faz mal a ninguém”[1].  A pergunta fundamental que ouviremos no juízo final será: “tu amaste? ” Portanto, não desperdicemos a nossa vida: amemos com o amor que vem de Deus e se dirige a todos e todas. Nada de ódio no nosso coração!

+Dom Jeová Elias

Bispo Diocesano


[1] Camara, dom Helder, Circulares Conciliares –Vol. I –Tomo I, Cepe Editora, circular n. 9, p. 29. Recife, 2009.

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