O capítulo 18 do Evangelho segundo Mateus, do qual faz parte o texto deste domingo e do próximo, mostra aos discípulos de Jesus o modo de viver a justiça do Reino, preocupação central desse evangelista, dentro da comunidade, particularmente nos casos das faltas graves. Não obstante a bonita proposta de Jesus para que seus seguidores fossem unidos, vivessem como família, em harmonia, atentos às necessidades dos mais frágeis, obedientes ao Pai e amorosos, eles não eram perfeitos, cometiam erros nas relações com as outras pessoas da comunidade. Diante desses erros, como agir? Como tratar quem cometeu uma falta grave contra o seu irmão de comunidade?
O texto deste domingo é exclusivo do evangelista Mateus, é precedido pela parábola da ovelha perdida (vv. 12-14), que apresenta o zelo do pastor em buscar a ovelha que se afastou do rebanho. Como o pastor zeloso, o Pai do céu não admite a perda de um dos pequeninos (v. 14). Hoje Mateus apresenta o desejo de Jesus para que seja feito o máximo possível para ganhar o irmão que pecou. Algumas etapas são propostas com o objetivo de ajudar aquele que errou a reconhecer seu erro e corrigir seus passos. A primeira etapa envolve a vítima e aquele que o ofendeu (v. 15), em particular, tentando ganhar o irmão para a vida em comunidade. Caso ele não reconheça seu erro, num segundo momento sejam acrescentadas uma ou duas testemunhas para o diálogo com o irmão que errou (v. 16), de modo privado. Numa terceira etapa, resistindo ele à correção, seja encaminhado o caso à Igreja (v. 17), que recebeu o poder de ligar ou desligar na terra, isto é, de interpretar o ensinamento de Jesus, acolhendo aqueles que aceitam a sua proposta do Reino de Deus e sua justiça, e advertindo aqueles que a rejeitam. Finalmente, se aquele que errou não der ouvidos à Igreja, seja tratado como um pagão ou pecador público (v. 17).
O convite a tratar quem errou como um pagão ou pecador público não implica em excomunhão. A prática de Jesus diante dos pecadores públicos e dos pagãos foi marcada pela misericórdia e pelo acolhimento. A própria pessoa obstinada no mal coloca-se fora da comunhão com os irmãos. As etapas propostas por Jesus manifestam o insistente convite à correção, à busca do perdão, mas depende do reconhecimento pessoal do erro cometido. Conforme o papa Francisco, outros textos do Novo Testamento constatam que as comunidades primitivas “viviam animadas por um sentido de paciência, tolerância, compreensão” (cf. 2 Tm 2,25; Tt 3,2-3) (Fratelli Tutti, n. 239).
Além do convite à correção fraterna e do auxílio da comunidade para ajudar quem errou, Mateus apresenta alguns ditos de Jesus: uma afirmação sobre a importância da concordância de duas pessoas acerca dos pedidos a serem dirigidos a Deus, que os concederá, talvez sugerindo que as decisões importantes para a vida da comunidade devem ser tomadas em oração (v. 19). A decisão de excluir uma pessoa da comunidade é muito difícil, faz-se necessário discernir na oração; e a declaração de que onde dois ou três estiverem reunidos em seu nome, Ele estará presente (v. 20). Enquanto os rabinos judeus exigiam a presença mínima de 10 pessoas para o culto, Jesus reduz a duas ou três[1].
A correção fraterna nem sempre é fácil. Da parte de quem se sente injustiçado, ferido, exige a sinceridade em ir ao encontro daquele que o ofendeu e manifestar seu sentimento. Da parte de quem errou, exige humildade para reconhecer o erro, pedir perdão e, sendo possível, dispor-se a reparar o dano causado ao irmão. Infelizmente, ao invés do exercício da correção fraterna entre os dois, muitas vezes constatamos as fofocas, os ataques e agressões em resposta. Tornou-se marca desse tempo midiático os ataques desumanos e até caluniosos aos irmãos prejulgados de modo temerário e preconceituoso. Inúmeras reputações são destruídas. Muitos ataques são lançados em nome da fé, por algumas pessoas que se julgam perfeitas, donas da verdade, defensoras da ortodoxia, contra irmãos que sequer conhecem, movidas por paixões políticas, por ideologias, ou por fanatismo religioso. Enquanto Jesus orienta à correção fraterna e discreta, há quem prefira atacar nas mídias sem piedade, mesmo sem ser vítima.
Na oração do Angelus do dia 06 de setembro de 2020[2], comentando o Evangelho deste domingo, o papa Francisco advertia quanto à prática da fofoca diante de um erro do irmão. Disse que a tagarelice tranca o coração à comunidade, prejudica a unidade da Igreja. Afirmou ainda que “o grande bisbilhoteiro é o diabo, que está sempre a dizer coisas negativas dos outros, porque é o mentiroso que procura desunir a Igreja, para afastar os irmãos e não fazer comunidade”. Disse ainda que a fofoca é como uma peste pior do que a Covid, e pediu o esforço para não bisbilhotar a vida dos outros e não perder tempo com conversa fiada. Caso a tentativa de correção fraterna falhe, o papa aconselha o silêncio e a oração pelo irmão e irmã que estão errados, mas nunca a fofoca. Finalmente, o papa Francisco pede que nossa mãe Maria nos ajude a fazer da correção amigável um hábito saudável, para que nas nossas comunidades vivam relações fraternas, animadas pelo perdão mútuo e pela misericórdia divina.
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano
[1] Bíblia do Peregrino – Novo Testamento, nota em Mt 18,19-20;
[2] https://www.vatican.va/content/francesco/pt/angelus/2020/documents/papa-francesco_angelus_20200906.html (consultada dia 31/08/2023).